por Cristiane Costa, crítica de Cinema MaDame Lumière
"Eu tinha um desejo profundo de homenagem as feministas, que foram frequentemente menosprezadas(...) Compreendi que o feminismo colocava o humano no centro. E isso foi o grande princípio propulsor da escrita do filme." (Catherine Corsini, diretora)
Anos 70, mulheres feministas em luta por direitos iguais e melhores condições de vida, saúde, trabalho e protagonismo, duas jovens se conhecem e uma história de amor começa em "Um belo verão" (La belle saison/ Summertine), filme de Catherine Corsini que, ao lado de sua companheira, a produtora Elisabeth Perez, realizam um filme com mulheres, sobre mulheres e uma história de amor entre duas mulheres, como idealizado pela cineasta.
Izïa Higelin, a atriz revelação ganhadora do César em 2013 por "Mauvaise Fille", é Delphine, uma jovem criada no campo e única filha de um casal de pequenos fazendeiros. Cansada desta vida árdua e bucólica, ela vai à Paris e conhece um grupo de jovens feministas, entre elas, Carole (Cécile de France, de "O garoto da bicicleta" e "Enigma chinês"). Além de suas afinidades políticas e atitudes libertárias, elas se apaixonam e vivenciam este amor. Mas, por um motivo de força maior, Delphine terá que reencontrar a mãe (Noémie Lvovsky) e seu pai (Jéan-Henri Compère).
"Um belo verão" é um junção de drama histórico com conflitos intimistas e uma verdadeira história de amor. Carole e Delphine são mulheres jovens e de forte personalidade em uma relação homossexual. Ele não representa apenas os desejos de filmagem da diretora, lésbica assumida, mas também a liberdade de amar tão efervescente na década de 70, principalmente entre as feministas lésbicas. Carole, Parisiense, casada, professora de Espanhol, tem um comportamento mais feminino, rebelde, engajado, passional. Delphine é a moça do campo, mais bruta no físico e no trato com os outros, dedicado ao trabalho pesado e corajosa no amor, mas também bastante leal aos seus valores familiares, respeito e afeto pelos pais e com uma racionalidade mais centrada nos negócios da família.
"Quanto
a escolha de Cécile de France, eu escrevi o papel de Carole para
ela, eu a via interpretando essa personagem. Foi uma evidência. Eu
gosto de sua franqueza, de sua valentia, de sua atitude." (Corsini)
Estes dois mundos se atraem e também entram em choque. Na vibrante Paris de jovens libertárias, influenciadas por Maio de 68 e por um mundo mais justo para as mulheres, o filme corta para cenas de tranquilas paisagens do interior, iluminadas pelo calor do sol e o suor do trabalho; em lado oposto à Paris, os valores dos campos são mais tradicionais e o ambiente é mais masculino, rígido, intimidador. Ainda assim, não haverá limitações para este amor em cena, os corpos nus e almas apaixonadas de Carole e Delphine se entregam às emoções. Continuamente, a diretora revelará as cenas de sexo, inclusive bem fotografadas tomadas no campo que enfatizam o frescor e a intensidade deste amor.
A diretora Catherine Corsini realiza um filme minimalista em cena mas grandioso em significados. Todas as intenções feministas estão nele, ora mais discretas ora mais vibrantes. Primeiramente, ela acerta na escalação das protagonistas. Cécile de France encarna uma musa jovem, desinibida e com vibrante força para tomar atitudes intempestivas e de bom coração. Apesar das contradições de ser uma mulher casada e disposta a levar seu relacionamento com Delphine, Carole é uma jovem que deseja ser fiel aos seus sentimentos e missões no Feminismo. Discutirá o aborto, comandará discursos universitários com outras colegas e não terá medo de viver um período no campo por amor à Delphine.
Por outro lado, a atriz Izïa Higelin é um promissor talento no Cinema Francês. Seu exotismo e juventude dão um novo rosto a ele. Após vencer o César e aparecer em "Samba", ao lado de Omar Sy e Tahar Rahim, ela incorpora bem este personagem que nasceu no campo. Ela não é delicada e elegante como outras atrizes da França, entretanto, tem um comprometimento e um foco na atuação que lhe conferem bastante segurança, naturalidade, labor.
Seu personagem ajuda muito neste processo porque é uma jovem entregue ao amor e à responsabilidade com a família, mas também em crise , dividida pela situação que cerca dos pais, assumidamente insegura em muitos momentos quando se confronta com a tradição do campo amplamente liderado por homens. Desta forma, ainda que não haja grandes reviravoltas e ações neste roteiro, o diferencial da historia é este amor intenso muito bem protagonizado pelas atrizes e que, em determinados momentos, entrará em choque com as escolhas e o contexto da vida familiar de Delphine.
"Um belo verão" apresenta variadas cenas relevantes para moldar o filme com a proposta do feminismo, do lesbianismo e da luta pelas mulheres no Movimento de Liberação das Mulheres . Percebe-se que não é um trabalho amador e frágil ainda que o filme seja bastante linear e discreto na exposição dos conflitos; além do fato de Corsini ser lésbica e compreender muito bem as lutas de emancipação da mulher, em especial, a homossexual, que ainda tem que lidar com preconceitos e censuras, ela realiza um trabalho que prezou pela pesquisa histórica e por uma excelente combinação da direção de arte, figurino, fotografia e trilha sonora de Grègoire Hetzel (compositor de "Incêndios" de Villeneuve). Em sua pesquisa, ela entrevistou feministas como Catherine Deudon, Anne Zelensky e Cathy Bernheim.
" A
questão de relacionar o íntimo ao histórico encontrava-se no
centro de nossos debates durante a escrita do roteiro. Como podemos
nos engajar politicamente, ser corajosas com relação aos outros e,
no entanto, ter dificuldade para defender as nossas próprias
“causas” no âmbito da nossa vida privada? Essa oposição
tocou-me profundamente e trouxe a ficção, a dramaturgia para a
trama." (Corsini)
O longa tem a naturalidade deste amor livre e do engajamento pelo feminismo, porém não se força a ser grandiosamente politizado, o que acaba sendo um acerto. Ele não enfoca uma mise en scène extremamente de época e nem apela para criar cenas de muito embate político, então acaba por ter sua identidade própria, lembrando as nuances visuais de filmes de época como "Depois de maio" (Olivier Assayas) e a influência da pintura na cinematografia como "Renoir" (Gilles Bourdos).
A escolha em mostrar cidade e campo contribui para suavizá-lo e torna a reconstituição de época mais consciente e equilibrada com desenvolvimento da narrativa. Em diferentes planos, a diretora conduz as cenas com elementos mais brandos da época para marcar sua proposta, em especial nas tomadas que enfocam discursos e ações feministas como as em um anfiteatro da Sorbonne e durante a invasão a um hospital psiquiátrico. Desta forma, o foco no amor das jovens não é retirado e fica mais harmônico com as locações e as problemáticas mais intimistas, seja no campo ou na cidade.
Sob o ponto de vista psicológico, os melhores momentos estão reservados às contradições de Delphine. A atuação de Izïa Higelin enriquece a tensão do conflito interno entre viver plenamente o amor ou optar pelo campo e as responsabilidades locais com a família. Em variados momentos, sendo ela, a única filha e conhecedora do trabalho da fazenda, ela está dividida entre a obrigação e a liberdade, conflito que é universal, independente de ser homossexual ou heterossexual, em alguma fase da vida, somos testados a decidir se vamos prosseguir em algo ou não. Neste aspecto, "Um belo verão" é um bem realizado filme sobre escolhas e o tempo para elas.
Distribuição: Pandora filmes
Trechos entrevista com Catherine Corsini, uma cortesia Pandora filmes
Data de estreia no Brasil: 07 de Julho
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Cristiane Costa, MaDame Lumière