La Demora, representante Uruguaio ao Oscar e dirigido por Rodrigo Plá, é um filme realista com um excelente plot à altura do Cinema Latino Americano de qualidade que está acostumado a lidar com questões universais, mas que também retrata problemáticas sociais do nosso cotidiano. Sem emitir julgamentos, o longa toca em um assunto delicado: a responsabilidade dos filhos que cuidam de pais idosos e os sentimentos ambíguos que ela provoca.
Pessoas que tem ou já tiveram responsabilidades com pais que chegam à velhice e dependem de cuidados familiares conhecem esses sentimentos. O coração de um(a) filho (a) fica dividido entre cuidar da própria vida e cuidar dos pais idosos, principalmente quando a família está inserida em um contexto de pobreza, de falta de emprego e dinheiro e os pais apresentam problemas comuns à idade como as doenças degenerativas, incluindo as relacionadas à memória e à mente. Através desse longa, o diretor cria um espaço de reflexão sobre a velhice a ponto de tornar perceptível que não podemos "jogar pedra" em quem já pensou em abandonar os pais, pois tal sentimento já percorreu a cabeça de muitos filhos. Poucos tem coragem de confessá-lo e se sentem culpados com a ideia cruel do abandono.
Em um bairro periférico de Montevídeo, María (Roxana Blanco) é uma mãe solteira de meia idade, que não tem emprego fixo e vive com os filhos pequenos e o pai Agustín (Carlos Vallarino). Seu pai está vivenciando as sequelas do avanço da idade: esquece das coisas, depende de cuidados básicos da filha como tomar banho e cortar a unha do pé, saí de casa e não lembra o caminho de volta, convive com a solidão. Sua sensível condição de saúde provoca uma responsabilidade redobrada para María, que também é uma mulher solitária, que tem uma casa modesta e apertada e vive de "bicos" como costureira. Embora demonstre afeto pelo pai, é nítido seu cansaço ao lidar com situações cotidianas como não ter um emprego fixo, já que o mesmo exigiria que ela ficasse ausente de casa e deixasse o pai sozinho ou pagasse por uma cuidadora de idosos, além do mais como agravantes do contexto estão a falta de dinheiro para criar uma família de quatro dependentes e o descaso da família, no caso a sua irmã, que não tem tempo para cuidar do próprio pai e se exime de qualquer compartihamento de responsabilidades.
Com um argumento atual e tocante, Rodrigo Plá coloca uma filha que, cansada de cuidar do pai idoso e levada à uma atitude intempestiva, o abandona senil em uma praça; portanto o “La demora” do título do longa é o percurso de tempo que Agustín espera o retorno de sua filha María, sem ao menos se dar conta que ela quis abandoná-lo ali. De forma muito natural, o roteiro inclue o momento acelerador da problemática no qual Maria leva o pai à previdência social para dar início ao trâmite de ingressá-lo em uma casa de saúde para idosos. Ela é desmotivada pelo funcionário da repartição pública que menciona que ela tem poucos recursos para colocá-lo em um asilo, mas "muitos" recursos para receber benefícios. Diante de tanto peso em responsabiliades e pouca ajuda, María saí andando pela rua até tomar a decisão limite que movimenta o restante da história.
E assim, Sr. Agustín fica aguardando a filha, sem arredar o pé do local. A partir daí, o filme nos reserva momentos muito tristes sobre a experiência de ser um idoso, abandonado e dependente da família. De certa forma, e por mais que Sr. Agustín mantém fielmente a fé de que sua filha virá buscá-lo, é humilhante ser abandonado pelo próprio sangue. Para engrandecer mais ainda a qualidade do longa e o quanto ele é bem realizado, o elenco de protagonistas faz um excelente trabalho. As atuações de Villarino e Blanco são muito realistas e maduras e capazes de comover com um olhar ou poucas palavras. Em especial, Roxana é uma ótima atriz no seu misto de responsabilidade com o pai e os sentimentos paradoxais com relação à levar este peso e não aguentar mais essa vida.
Esse filme é um exercício de reflexão e, como o bom Cinema Latino-Americano, é um Cinema de perguntas. Muitos sentimentos são despertados para quem é filho, para quem é pai e para quem chegará à velhice. Seremos abandonados pelos nossos filhos? Viveremos em um asilo ou "de favor" na casa deles? Desejaremos viver nossas próprias vidas e abandonar nossos pais? De fato, o filme expõe uma situação difícil pois, ao mesmo tempo que Maria ama o seu pai, ela está sozinha e merece tocar sua vida com mais liberdade. Por outro lado, a idade chega para todos e, na velhice há de ter qualidade de vida e o amor da família.
À medida que Sr. Agustín espera pela filha, passa frio, mija nas calças, entre outras situações angustiantes, a câmera nos conduz aos sentimentos de María, que vão da mentira ao arrependimento, passando pela culpa até a busca incansável pelo pai em albergues noturnos e assistenciais. A direção trabalha bem os close ups com mais intimidade e com uma fotografia que desfoca o fundo para trazer à frente o quão real é aquela situação, aquele sentimento. Outra escolha do diretor está em focar detalhes desse ambiente, como os pés do idoso e a dificuldade para calçar um sapato, o olhar pensativo da filha enquanto trabalha em sua máquina de costura, a pele envelhecida e molhada durante o banho etc.
Com éxito, o tempo percorrido nessa demora é o tempo que o expectador tem para analisar o quão a velhice é uma realidade angustiante e é preciso olhar com carinho para esse momento. Estando vivos e por anos a fio, é uma questão de tempo, não escaparemos nem da morte e nem do envelhecimento.
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