MaDame Noir:
O melhor do Film Noir
por MaDame Lumière
O filme que deu à Joan Crawford o Oscar de melhor atriz é uma magnífica combinação híbrida de film noir com melodrama tanto em termos estéticos como narrativos. Pode-se afirmar que o clássico dirigido por Michael Curtiz (do icônico Casablanca) é esteticamente noir com uma atmosfera de ação criminal em preto e branco e um contrastante e formidável jogo expressionista de sombras com iluminação low-key e, é mais inclinado ao desenvolvimento de uma narrativa que enfoca temáticas bem típicas do melodrama de mulheres fortes e que passam por provações emocionais, financeiras e sociais. Elas sofrem com as mazelas cotidianas como crises em casamento e toda o drama de problemas familiares como separações, adultérios, romances não correspondidos, abandono, perdas, rejeição pelos filhos, etc. Joan Crawford interpreta Mildred Pierce, uma heroína bem marcante na tradição cinematográfica do melodrama. Ela é uma mulher divorciada, que ao se separar do marido Bert (Bruce Bennett), tem que criar as duas filhas sozinhas Kay e Veda (Ann Blyth). O ex marido não facilita a separação, ela começa a trabalhar modestamente como garçonete, tendo que lidar com o preconceito da filha mimada Veda, que é materialista, tem vergonha do ofício da mãe é e insuportavelmente falsa, de má índole.
O intrigante início da narrativa é dado com o misterioso assassinato do atual marido de Mildred, o oportunista e apreciador da boa vida, Monte Beragon (Zachary Scott). Ouvem-se os tiros na casa de praia do casal e surge Zachary, ferido e prestes a cair no chão, morto. A partir de então, o desenvolvimento da história intercala o depoimento de Mildred, suspeita do crime, com os flashbacks de sua jornada, que resgatam sua separação de Bert, sua evolução como empresária de uma rede de restaurantes, seu amor incondicional por Veda e sua dedicação a prover do bom e do melhor à filha, sua amizade com Wally Fay (Jack Carson) e o seu casamento com Beragon. Durante a narrativa, é perceptível avaliar que Mildred é uma personagem sofrida e de inabalável atitude resiliente, que tudo suporta e tudo enfrenta e, mesmo assim, é enganada por aqueles que mais deveriam amá-la, assim Mildred Pierce é uma icônica heroína do melodrama Hollywoodiano, que atualmente é base de inspiração para a série de TV Mildred Pierce, estrelada por Kate Winslet em moderna revisitação da personagem. A boa vontade de Mildred é demasiadamente grande em favor da sacana e ambiciosa filha e ela tem um casamento de fachada, com um homem de caráter duvidoso, o que reforça a crueldade imposta às mães de família, desprezadas por filhos e maridos, vítimas da hipocrisia social.
Em termos técnicos, Alma em Suplício tem a primorosa direção de Michael Curtiz, que sabe impor uma excelente direção de atores, principalmente em Joan Crawford e Ann Blyth, fascinantes em suas atuações. A primeira, como uma mãe zelosa, disposta a perdoar a filha e sacrificar a si própria. A interpretação de Joan Crawford é incrível porque ela incorpora muito bem a miopia de uma mãe, incapaz de enxergar direito quem é a demoníaca filha que se esconde por trás de um dócil rostinho. Ann Blyth é uma das mais convincentes e jovens vilãs em filmes clássicos e consegue ser odiável. É uma garota muito bonita, mimada, sofisticada e que deseja ascensão social e dinheiro a qualquer custo, além disso, o seu sorriso pseudosimpático oculta uma mulher muito perigosa e cínica, trazendo à tona a ambiguidade e amoralidade da femme fatale do Cinema Noir. O bom ritmo, excelente fotografia e a concisa montagem do longa equilibram uma ótima harmonia entre o noir e o melodrama, com o uso de estética expressionista e de técnica de flashbacks. A atmosfera de mistério é refletida também pela presença coadjuvante do detetive particular que interroga Mildred, pelo suspense da trama criminal rumo à descoberta do verdadeiro assassino e pelo belo clima fantasmagórico com utilização constante de sombras no chiaroscuro, que lembram os ângulos Caligaristas criados com iluminação artificial. Alma em Suplício é um clássico obrigatório, um maravilhoso encontro do film noir com o melodrama que atravessa as fronteiras entre gêneros e legitima que o Cinema é uma Arte ilimitada, que está além de classificações comerciais.
Avaliação MaDame Lumière
Título original: Mildred Pierce
Origem: EUA
Gênero: Suspense, Thriller, Crime, Melodrama, Noir
Duração: 111min
Diretor(a): Michael Curtiz
Roteirista(s): Ranald MacDougall, baseado no romance de James M. Cain.
Elenco: Joan Crawford, Ann Blyth, Zachary Scott, Jack Carson, etc.
Depois de assistir à minissérie com Kate Winslet, fiquei curiosa para conferir este filme. Parece ser bem legal.
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