"Califórnia" é o primeiro longa metragem de ficção
da diretora Marina Person.
Por Rodrigo Qohen
Jornalista e quadrinista pelo selo independente Baboon Mix
Entrevista inédita com a diretora Marina Person e os atores protagonistas, Clara Gallo e Caio Horowicz, para MaDame Lumière. Imperdível!
Agradecimentos a todos pela excelente entrevista e todo profissionalismo.
Viva ao Cinema Brasileiro! Viva a Cinefilia!
Um abraço,
Editora, Cristiane Costa
Num ambiente
aberto, entre mesinhas de café do espaço anexo do Espaço Itaú de Cinema, o casal
protagonista do filme e a diretora Marina Person passavam de mesa em mesa para
conversarem com os jornalistas. Madame Lumiére cumprimentou os jovens Clara
Gallo e Caio Horowicz, elogiou o filme que acabara de assistir e então os três
sentaram-se.
Madame Lumiére:
Começando descontraindo, quero perguntar qual a banda preferida de vocês?
Um pouco
constrangidos com a dificuldade da inesperada pergunta, responderam:
Clara Gallo:
Essa pergunta é muito foda
Caio
Horowicz: Dá para elencar UMA banda
favorita? É uma grande pressão.
ML: Uma recente,
então. Que vocês têm ouvido muito.
Caio: Uma das
minhas bandas favoritas, que eu gosto muito e de um amigo meu, o Vinicius
Calderoni, é o 5 a Seco, uma banda brasileira atual.
Clara: acho que
minha favorita – e eu nem tenho ouvido muito – para eleger assim, é The Doors.
Caio Horowicz e Clara Gallo : boa preparação e jovens talentos em cena
ML: E alguma
coisa mudou no gosto musical de vocês depois de ter feito o filme? Imagino que
a imersão no começo dos anos 80 tenha sido influente.
Caio: O JM ouve
muito The Cure, além de Joy Division, Smiths, e eu não conhecia nada dessas
bandas. A única música que conhecia de The Cure é “Boys Don’t Cry”, mas era
aquela música que você ouve e não sabe muito bem de quem é. Até sabia quem era
o grupo, mas nunca tinha visto nenhuma imagem deles. Comecei a ouvir por causa
do filme, dei uma estudada e hoje eu gosto muito.
Clara: Eu já
conhecia a maioria das músicas, das bandas, mas não era nenhuma fanática.
ML: Foram vocês
que foram atrás delas, por terem lido o roteiro e ter a noção da ambientação do
filme ou foi passada alguma lista para vocês?
Caio: Como a
Marina (Person) esteve sempre com a gente desde o primeiro teste, ela foi meio
que passando umas lições de casa. Não era exatamente “uma lista”, mas ia nos
falando “vai ouvindo Joy Division, Smiths, pesquisem sobre elas”. Pra mim, The
Cure, principalmente, e então eu ia ouvindo e ela me passando cada vez mais
coisas. Hoje, gosto muito.
Clara: Mesmo
essas brasileiras, né? Titãs, Legião Urbana.
ML: Titãs,
lógico, né? (O ator Paulo Miklos, vocalista da banda, está no elenco do filme)
Clara: (risos).
Titãs tinha que ter, né? Não podia faltar.
ML: Vocês
chegaram a usar essas fortes influências musicas para ajudar na construção dos
personagens?
Caio: Sim,
claro. Tem uma música muito importante para o JM, que é “Killing An Arab” (The
Cure), que até está no roteiro do filme, faz parte da história. É uma música
que tem ligação com o livro “O Estrangeiro”, do (Albert) Camus, como é contado
no longa, e que eu nunca tinha escutado. A Marina me passou na preparação e foi
bastante importante para entrar no personagem, para entender mais o JM. Eu até
já tinha lido o livro do Camus, mas nunca tinha escutado a canção, nem conhecia
sua história.
Clara: Pra mim
foi mais o (David) Bowie, afinal a Estela é fanática por ele. Eu nem gostava
muito dele, só sabia que era bom. Atualmente eu curto bem mais. Acho que a
Estela me ensinou a gostar de David Bowie.
Caio Horowicz : "Acho que, para um ator, tem duas coisas que ajudam:
as coisas que são muito próximas e as distantes."
ML: Caio, por
causa do seu personagem, que é bastante complexo, apesar da pouca idade, como
você fez para entrar nele, para conseguir dar essa feição a ele?
Caio: Como eu
tinha dito antes, a Marina estava desde o princípio com a gente, desde os
primeiros testes, o que é muito raro hoje em dia. Foi ela quem me deu a base
para entender o personagem, ainda mais que o roteiro. Eu conversei muito com
ela sobre o JM e como ele tem muita coisa parecida comigo, como o fato dele ser
um cara tímido, mais na dele, isolado, ficou mais fácil. Mas, por outro lado,
ele tem muitas coisas diferentes. Eu não sabia o que era o movimento pós-punk,
por exemplo, e fui entendendo isso. Acho que, para um ator, tem duas coisas que
ajudam: as coisas que são muito próximas e as distantes. Então, por exemplo,
coisas que eram totalmente diferentes de mim ajudaram a criar quem é esse
personagem. No caso das coisas parecidas, é tudo mais natural, meu corpo fala
por si só.
ML: E você,
Clara, o quanto tinha de parecido e diferente com a Teka?
Clara: Na época
que eu fiz o filme, era relativamente diferente dela, mas, um pouco antes,
quando eu tinha uns 15 anos, era muito parecida com a Estela. Essa coisa de ser
mais tímida, mas ao mesmo tempo de querer conhecer coisas desconhecidas, sabe?
Também o lance da sexualidade, do tipo “não preciso estar namorando para perder
a virgindade” e estar super aberta para tudo, para descobrir a vida. A maior
diferença entre eu e a Estela, acho que são os pais. Os meus são super liberais
e eu posso falar de qualquer coisa com eles. Eu também tive uma babá, com quem
eu sempre fui muito próxima, que nem a Estela é da Denizete. Então acho que é
meio o que o Caio falou, essa coisa de semelhanças e diferenças que compõe a
personagem e se não tivessem as desigualdades, seria você ali.
Clara Gallo: "A equipe inteira era amiga"
ML: Foi um pouco
intimidador trabalhar com atores veteranos como Paulo Miklos e Caio Blat?
Clara: Nada
intimidador. O oposto disso. Eu
trabalhei muito mais com o Caio -principalmente na preparação – e ele é um amor
de pessoa, super aberto, queria me conhecer, me dava várias dicas e a gente
ficou super próximo. Foi uma delícia trabalhar com ele. O Paulo Miklos é o cara
mais divertido, engraçado e está sempre fazendo brincadeiras. É totalmente
diferente do personagem. Os dois me deixaram ainda mais confortável no set.
ML: O clima do
set era assim, então? Confortável, descontraído...
Clara: Era muito
bom. A equipe inteira era amiga.
Caio: A equipe
era incrível. Desde a Marina, diretora, até a galera da maquinaria ou quem “colava” menos no set.
Clara: Até as
mulheres da cozinha (risos).
Caio: E isso
tudo ajuda bastante. Principalmente pra gente que está começando. Ter um set
mais descontraído, um ambiente com pessoal próximo, com todo mundo ali querendo
se ajudar.
Clima no ar! Juventude, desejo, sentimentos e novas descobertas!
Venha para "Califórnia"!
ML: Peço até
desculpas pelo constrangimento para a pergunta que vem agora - pausa para
rostos vermelhos e embaraço dos atores que já previam o tema que viria a
seguir. Também foi tranquilo para filmar as cenas de sexo? Foi complicada a
primeira vez?
Clara: (Risos).
Literalmente.
Caio: Foi muito,
muito difícil. Brincadeira (risos). Foi muito tranquilo.
Caio: Doeu nada
(risos). Foi demais. A Marina também conversou muito com a gente, desde o
princípio. Ela ficava preocupada com a gente. Em como nós iríamos nos abrir
durante a cena, até por sermos mais inexperientes como atores, mesmo. Se
estaríamos com o corpo aberto para fazer a cena. A gente conversou muito,
combinou coisas que a gente não gostaria de fazer e as que a gente estava
disposto.
Clara: E a
equipe também foi reduzida e isso foi muito legal. Só tinha a Marina, a Flora
(Dias), diretora de fotografia, a assistente de fotografia e o técnico de som,
que estava escondido no banheiro e nem olhava a cena.
Caio: O boom
(equipamento para a captação de som) estava preso no teto. A gente nunca
ensaiou a cena, pois queríamos o frescor da hora, da primeira vez que nos
víssemos pelados, enfim. Uma coisa que a gente sempre fala que é engraçada, é
que a Marina ia falando durante a cena: “agora beija o pescoço da Clara. Isso.
Pega no mamilo. Morde o mamilo” (risos).
Sorridente e
ainda empolgada com a exibição do longa, Marina senta-se para a a rodada de
perguntas com a Madame Lumiére e vestindo uma camiseta do cantor David Bowie.
Madame Lumiére:
O fascínio por Bowie vai além das telas, então?
Marina: (Risos)
essa parte é altamente auto-biográfica.
ML: E nem toca
“Heroes”, no filme, né? Ultimamente essa música tem sido muito usada.
Marina:
“Heroes”, “Space Oddity” ou “Modern Love” são as mais utilizadas.
ML: Pois é.
Gostei da escolha por “Five Years”. Você já ouviu um álbum do Seu Jorge com
covers de David Bowie?
Marina: sim. Ele
fez pro filme do Wes Anderson, “A Vida Marinha com Steve Zissou”. É ótimo!
ML: Aproveitando
o clima de descontração e referências que o Bowie deixou pra gente, pergunto:
qual seu filme favorito do começo dos anos 80, período em que passa Califórnia?
Marina: “Clube
dos Cinco” (John Hudges, 1985)! “Vidas Sem Rumo” (Francis Ford Coppola, 1983)
também gosto muito. Eu era louca pelo Coppola e pelo Matt Dillon. Amava eles.
“Clube dos Cinco” foi um filme que acho que, além de ter marcado muito a minha
geração, foi forte referência para o “Califórnia”. Eu gosto muito do John
Hudges e acho que o clube tem uma coisa especial de tentar pegar todos os
arquétipos do adolescente americano. Ele brinca um pouco com isso e,
propositalmente, faz esses estereótipos. Acho também muito bem resolvido, tem
diálogos engraçados e os atores estão ótimos.
ML: Até percebi
um pouco de “A Garota de Rosa Shocking” (Howard Deutch, 1986), pelos dois
meninos, um mais esquisito, o outro que é o bonitão...
Marina: Isso é
um clássico. Outro dia estava vendo “Karatê Kid” e meu marido – que não lembrava do filme – reparou nesse
negócio do loiro/moreno e falou para mim: “você fez o Karatê Kid!” (em
referência aos dois personagens que disputam o coração da protagonista de
“Califórnia”).
Marina na pré-estreia do filme.
ML: As
referencias que constroem a ambientação do longa, certo? E como que você buscou
isso? Qual foi a sua base? Por que especificamente essas músicas, esses
pôsteres, as decorações do quarto da Estela? Eram coisas suas ou você escolheu
pela representatividade no período?
Marina: Algumas
são minhas. Por exemplo, eu tinha um (pelúcia do) Garfield, adorava o ET.
Quando era pré-adolescente, eu e minha irmã piramos no filme. Todo mundo, né?
Até hoje eu assisto o ET com interesse. Eu queria botar as referências da nossa
época, mas sem ficar muito almanaque. No começo do projeto tinha muito mais,
afinal a vontade é de colocar tudo que foi importante, que você tinha, que te
representa. Acho que desafio para fazer “Califórnia” – ou qualquer outro filme
– é que você tem que priorizar. A gente, por sinal, usou muito o “Almanaque
Anos 80” (Editora Ediouro, 2004) e é muito legal recordar, mas o filme tinha
que ir além disso. O que conseguimos fazer com a direção de arte foi deixar
essas coisas como pano de fundo, parte da ambientação, e tinha muito mais
referencias que cortamos no roteiro e na montagem, pois estava demais.
ML: Quanto de
você e da sua juventude tem na Estela?
Marina: Tem
muita coisa minha. A história não é autobiográfica, mas tem muitos elementos na
figura da Teka e do JM. Logo no comecinho tem aquela carta dela para o tio
perguntando se “é verdade que tem um canal de música os Estados Unidos” e eu
lembro quando a MTV apareceu nos EUA e eu pensei: “como assim? Tem um canal só
disso o dia inteiro?”. Achava bom demais para ser verdade! Outras coisas
pequenas também, como a cena que a protagonista está no Madame Satã (clube
muito popular entre os jovens nos anos 80 e 90 que fechou em 2009, mas reabriu em
2012) e o menino que ficava com ela fala “vou ali no banheiro e já volto”, some
e já está com outra menina. Aquilo aconteceu comigo também.
ML: Você
escolheu justo o ano de 1984 pois foi o que passou a adolescência?
Marina: Foi
principalmente por causa das Diretas Já. Na verdade, a Estela é um pouco mais
velha do que eu. Em 84 eu tinha 15 anos e ela tem 17. Eu achava importante
deixar marcado o ano das Diretas, afinal passamos vinte anos no regime militar,
um período muito duro, onde muita gente morreu, sumiu, foi torturada. Fora
isso, tinha o fato da AIDS. A doença foi nomeada em 82 e em 84 foi uma espécie
de auge da epidemia, repleto de ignorância e preconceito. A AIDS estava muito
presente ali e tinha essa coisa de ser uma doença desconhecida, velada. As
pessoas não falavam muito disso. Vários discos bons foram lançados também nesse
ano, como o “Legião Urbana”, Titãs.
ML: Acho muito
legal, por sinal, o Paulo Miklos (vocalista da banda Titãs) estar no filme,
numa espécie de metalinguagem.
Marina: (Risos)
no começo, a primeira ideia era ter um show dos Titãs, mesmo, da época. A gente
ia usar imagens de arquivos e eu brincava que a Estela falaria algo como
“papai! O que está fazendo aí?"
ML: Falando
nela, a Estela, apesar de ser uma garota nova, virgem, num momento de indecisão
e pressão na vida, vestibular, é muito segura de suas decisões. Como você pensou nessa personagem, pois é comum que
jovens sejam retratados com mais incertezas do que realmente têm. Eles não
costumam ser muito levados a sério, mas pareceu que você deu uma voz forte para
ela.
Marina: Eu
queria muito que o filme tivesse esse ponto de vista feminino. De mostrar o
quanto esses ritos de passagem são importantes, por mais banais que sejam. Eu
não me lembro de filmes desse período que falem sobre o ponto de vista feminino
e desse jeito. É sempre uma questão mais “eu preciso perder a virgindade”, ou é
levado de uma maneira mais pelo lado cômico, uma coisa mais anedótica. O sexo
adolescente é sempre uma coisa muito óbvia, na brincadeira, ou meio Lary Clark
(“Kids”, “O Cheiro da Gente”), uma coisa fria, mecânica.
ML: E qual a
diferença entre esse “padrão” existente e “Califórnia”?
Marina: Eu
queria fazer uma coisa fácil de retratar, esse período dela que deixa de ser
criança para ser adolescente quando menstrua e deixa a adolescência para virar
uma mulher quando perde a virgindade e isso com todas as inseguranças e
elementos que as situações colocam em nós. A gente planeja e se atrapalha, muda
de ideia, é tudo muito confuso e tem toda aquela turbulência hormonal. Eu acho
que a Estela vai tomando as decisões levadas pela vida e não é a toa que usamos
uma frase do John Lennon que define bem o espírito do filme, “a vida é o que te acontece enquanto você
está ocupado fazendo outros planos”. A personagem planeja um monte de
coisas, ela quer transar com o Xande, namorar e perder a virgindade com ele,
quer ir pra Califórnia, mas aquilo lá vai se transformando. A vida é muito mais
dinâmica do que isso.
Marina e elenco : só alegria na pré-estreia
ML: Sendo seu
primeiro longa-metragem, o que você pode dizer que aprendeu durante o processo
na técnica?
Marina: Nossa,
tudo. Eu brinco até que eu e eles (os atores Clara Gallo e Caio Horowicz)
perdemos a virgindade juntos (risos). Eu nunca tinha dirigido longa-metragem de
ficção e eles também nunca tinham feito. Foi uma descoberta mútua, foi muito
legal. Eu gostei muito de dirigir os atores, de trabalhar com esses dois
jovens, sem vícios, muito abertos e dispostos a tudo e brilho no olho. Nas
cenas de sexo, por exemplo, eu estava mais insegura que eles.
ML: Você que é
tão cinéfila a tanto tempo e tem pai cineasta, por que só agora dirigiu um
filme?
Marina: Pois é,
né. Esse projeto é muito antigo, de 2004. Desde as primeiras ideias, até
conseguir fazer o argumento, levantar o roteiro, demorou. Eu sempre me iludi
achando que enquanto estava na MTV, eu ia conseguir fazer os filmes, mas demora
para caramba – ainda mais quando se tem um full
time job como aquele. Quando eu sai da MTV que fiquei determinada a tirar o
filme do papel e aí a coisa deslanchou. Necessita muita dedicação e dinheiro. É
difícil se sustentar enquanto faz o primeiro filme. É um projeto que você tem
que bancar e demanda muito tempo. Eu tinha colocado o “Califórnia” na cabeça e
quando fui chamada para trabalhar na TV Cultura, fiz um acordo com eles de ir
trabalhar só uma vez por semana. Agora também nem sei se vou voltar para a
televisão. Estou tão feliz.
ML: Já tem um
próximo longa encaminhado?
Marina: Estou
fazendo, mas é aquela mesma coisa. Tem que ter dedicação e nenhuma remuneração.
Até conseguir levantar de fato, demora um tempinho.
Para mais sobre "Califórnia", visite a crítica do filme, clicando aqui.
Fotos: uma cortesia do filme "Califórnia".
Distribuição: Vitrine Filmes.
A cena de sexo destes dois atores, o Caio e a Clara é real? Aconteceu de verdade ou são apenas técnicas posicionais de câmera ou coisa assim por exemplo?
ResponderExcluirOlá Joás, foi posicionamento de câmera. Teve realismo na parte dos carinhos nos seios, mas a equipe foi reduzida para que tudo ocorre bem. Conforme dito na entrevista, ficaram mais tímidos inicialmente.
ExcluirAbç