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Por Cristiane Costa Vivian QU faz parte da nova geração de cineastas independentes da China. Conhecida por filmes como Night Train...

Rua Secreta (Shuiyin jie/ Trap Street - 2013), de Vivian Qu



Por Cristiane Costa



Vivian QU faz parte da nova geração de cineastas independentes da China. Conhecida por filmes como Night Train (Ye Che, 2007 - Un Certain Regard do Festival de Cannes), e pela produção de Carvão Negro (Bai ri yan huo, 2014 - Urso de Ouro em Berlim), ela estreia em seu primeiro longa-metragem Rua Secreta (Shuiyin jie/ Trap Street, 2013) e mostra o frescor de atores como o jovem Yulai Lu e a diretora Wenchao He.





A narrativa é ambientada em Nanjing, cidade que têm um histórico tradicional na China e sediou variadas dinastias, assim, não se rendeu totalmente à contemporaneidade cosmopolita e conserva um ambiente com ruas arborizadas, silenciosas e discretas. Qiuming (Yulai Lu) é um jovem cartógrafo em uma empresa de mapas digitais. Em uma de suas andanças, ele encontra uma misteriosa mulher, Guan Lifen (Wenchao He), que ora aparece, ora desaparece em cena sem ele se dar conta de sua origem, além de vê-la nas proximidades de uma Rua Secreta, a "Rua Floresta", que não aparece no mapa. Após oferecer uma carona a ela, eles se aproximam mais e surge um interesse romântico nessa relação. Paralelamente, Qiuming fica intrigado por essa rua e quer saber o que está por trás de um laboratório no local. Sua curiosidade pode fazê-lo adentrar um arriscado lugar e colocá-lo em perigo.


O filme é uma  combinação de mistério, suspense e romance que embalados por uma excelente competência fotográfica, um ligeiro toque documental e atuações tímidas e misteriosas colocam o público em uma China bem diferente das retratadas por mestres como Wong Kar-Wai , Zhang Yimou e Jia Zhangke. Rua Secreta transita entre a palpável delicadeza do cotidiano e das relações humanas expressas no Cinema Chinês e a audácia de Vivian Qu em realizar uma narrativa entre a ficção e a realidade  que abre lacunas incômodas que o espectador é desafiado a interpretar, pode criar várias incógnitas durante esse processo e não chegar a conclusão nenhuma ou chegar a algumas.




A ambição da diretora fica mais evidente à medida que a história não tem grandes acontecimentos, exige uma reflexão aberta, simbólica e complexa por parte do público, ela usa um roteiro que não se preocupa em se fazer compreendido pelo espectador mais leigo e executa cenas que referenciam um estilo de Cinema de Michelangelo Antonioni e fazem uma representação de uma realidade que, nem sempre é fácil capturar o que é ( e o que não é) verdadeiro. 


Sendo assim, esse filme é um mistério que podemos interpretar como bem quisermos, fato que pode incomodar uma grande maioria (e agradar alguns cinéfilos), pois a diretora não é didática no desenvolvimento da narrativa. Se por um lado, criar filmes contemporâneos e independentes em um país tradicional como a China e com uma geração de jovens é uma iniciativa necessária e de desenvolvimento do Cinema, do pensamento do povo chinês e do público em geral, por outro lado, quando um cineasta está começando a dirigir longas metragem, ele(a) tem que atingir a mente e o coração do público. Nesse aspecto, Rua Secreta tem boas intenções mas não conquista fácil e por completo. Vai depender muito da experiência e gosto pessoal de cada espectador com esse tipo de narrativa e do que acha das escolhas de Vivian Qu.


A direção nos coloca em uma narrativa inicialmente envolvente. O filme começa bem. Guiados por Qiuming,  um jovem tímido, que vive com os amigos em um pequeno apartamento, trabalha e ajuda os pais nas despesas, ele transmite ser uma pessoa de bom caráter e habilidoso na sua profissão. Ao encontrar a "Rua Floresta", identificar que ela não existe  e não saber a origem de Guan Lifen, o mistério está lançado e vai ficando mais intrigante. Acreditando que a diretora tem o melhor a nos dar, podemos seguir seus passos, observar o desabrochar dos encontros com o casal, apostar quem faz parte da Rua Secreta e se Qiuming encontrará alguma pista  a nos revelar. 






O filme tem três pontos fortes principais: a primeira é a coragem da diretora. Ainda jovem em longas - metragem e já demonstra aqui ter potencial e fôlego para realizar uma direção consistente. Seu mérito é evidente mais pela direção e fotografia que pelo roteiro. Se souber trabalhar em roteiros menos obscuros,  com storytelling mais prático e capazes de se conectar com as emoções do espectador, ela tem futuro para ganhar lealdade do público.  Lembrando que, a audácia e vigor que têm para desenvolver um Cinema independente com a cara da China contemporânea tem que ser equilibrada pela assertividade de um Cinema que seja capaz de falar e conquistar as plateias mais críticas e globais, como conseguiram Wong Kar-Wai , Zhang Yimou e Jia Zhangke. 


O segundo ponto forte é a atuação de Yulai Lu e Wenchao He.  Nada fora de série, no entanto, funcionam bem como um casal de jovens recém apaixonados que vivenciam a tênue linha entre a descoberta do amor e do desejo e a censura em uma China moderna. É interessante notar que a "Rua Floresta" é como um portal através do qual eles se encontram, como uma janela para um mundo no qual eles se comunicam e se conhecem, assim, a relação tem uma faceta onírica e outra real.  Guan Lifen é um sonho?  Guan Lifen é a real representação dos  desejos e pulsões  de um jovem homem? Qiuming poderá tê-la em seus braços a qualquer momento e com privacidade? Poderá escapar à perseguição e ao controle da sociedade tecnológica que tudo acompanha e tudo observa?


O terceiro aspecto positivo é que, de uma maneira criativa e audaciosa, Vivian Qu arquiteta um roteiro simbólico para realizar a sua crítica e fazer o público pensar até que ponto a China tem a liberdade em uma sociedade cada vez mais digital e em rede. Ela não diz tudo o que pensa nos diálogos, evidentemente, mas sugere que há sigilo e repressão e que não existe muito espaço para questionamentos e diálogos, em especial em uma modernidade na qual as pessoas não têm mais privacidade, o que soa como uma grande ambiguidade em um mundo tão tecnológico, de janelas, telas, browsers e aplicativos abertos. A partir daí, o longa ganha credibilidade no seu valor simbólico porque traz a tona questões como: Será que investigamos os fatos e o contexto, dialogamos e entendemos o que acontece ao nosso redor? Será que já nos acostumamos às invasões de privacidade sem questionar seus benefícios e malefícios? Cabe a cada um buscar as verdades mesmo que essa postura traga desagradáveis consequências.






Então, para finalizar, qual é gap do longa apesar  de todo o seu bom efeito simbólico? O roteiro vai lançando mistérios no caminho e, o que potencialmente representaria uma comunicação empática e bem direcionada entre espectador e cineasta, a história não evolui  com articulados desdobramentos  que cobrem uma constante participação e reflexão do público. Por diversas vezes, o desconforto com a história está em não ver ações e/ou diálogos transparentes entre os atores. Tudo é muito sutil e  indireto para um filme que lança um mistério e o conclui rapidamente no desfecho. Talvez esse gap seja exatamente o efeito que a cineasta quis provocar. O incômodo em não ver assertividade no comportamento dos envolvidos, como se eles não fossem reais e não quisessem falar a verdade dos fatos e nem entrar em qualquer discussão.


Levando em conta essa interpretação, Rua Secreta é um filme para observar o  seu início, meio e fim e refletir depois, não para interagir durante a projeção. Não espere desvendar todo o mistério. Resta-nos apenas analisar o desfecho do longa e tirar nossas próprias conclusões se a execução foi eficaz ou não para o nosso gosto cinéfilo. Portanto, apesar que toda a inventividade nos códigos narrativos menos óbvios é sempre bem vinda, nisso também está o principal contra do filme: uma potencial boa história e um roteiro nada prático para contar uma simples história. É um filme apenas para quem gosta de metáforas , insights e reticências. 







Ficha técnica do filme ImDB Rua Secreta
Distribuição: Supo Mungam Films



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