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Por Cristiane Costa O espírito visionário de um cineasta não é evidente apenas na forma como ele realiza seus filmes e orquestra t...

Juan e a Bailarina (La sublevación - 2012), de Raphael Aguinaga




Por Cristiane Costa



O espírito visionário de um cineasta não é evidente apenas na forma como ele realiza seus filmes e orquestra todo o processo criativo, mas também, em como ele identifica e articula oportunidades no setor audiovisual tal que ele e o público tenham uma relação de ganha-ganha e o mercado seja desenvolvido amplamente com novos paradigmas. O cineasta e empresário Raphael Aguinaga é um destes interessantes "business cases" de que é possível ter espírito empreendedor no audiovisual Brasileiro e conciliar interesses individuais com os coletivos. Ele é curador da VillaCine, uma boutique inovadora de negócios criada em 2009 e que realiza produção, distribuição e exibição de filmes assim como a gestão de projetos culturais e educacionais nesta área.






Além de ter realizado o seu primeiro longa-metragem "Juan e a Bailarina" (Le sublevación, 2012) em uma coprodução Brasil e Argentina, valorizando o intercâmbio de conhecimentos e experiências entre distintos profissionais no Cinema Latino Americano e fortalecendo estas parcerias, na VillaCine, Aguinaga tem como um dos principais pilares, iniciativas de fomento do mercado de exibição de filmes raros e independentes . Prova disso é a curadoria, programação e gestão de  salas, o  Cine Jóia no Rio de Janeiro e a Sala Villa Cine na Unibes Cultural em São Paulo, que visam a preencher lacunas de diferenciada programação de Cinema no setor. Quando um empreendedor do Cinema pensa em oferecer ao seu público a oportunidade de assistir a outras cinematografias que saíam do "modus operandi" da indústria cinematográfica "mainstream", vale a pena observar e acompanhar o seu trabalho e desfrutar do que ele tem a oferecer. 


Ganhador da Mostra Competitiva do 15ª edição do Festival de Cinema Brasileiro em Paris e filme selecionado para inaugurar a sala da VillaCine em São Paulo, "Juan e a Bailarina" acompanha a determinação, criatividade e empreendedorismo de seu realizador. Ele estudou roteiro de Cinema na França e finalizou o longa em 2011 após rodá-lo na Argentina. O longa destaca-se por ser uma ficção fantástica,  uma narrativa em forma de fábula que transita entre o real e o imaginário e na qual ele aborda sobre o  amor, a liberdade, o sonho e a rebeldia. 









Um grupo de idosos vivem no asilo Nossa Senhora da Misericórdia e, ainda que não tenham contato com o ambiente externo, através da TV e do radio,  tomam conhecimento de que surgiu um clone de Jesus que descobriu a cura para uma grave doença. Paralelamente, durante as férias da enfermeira do local, o filho dela conhecido como "A Bruxa", substitui a mãe e começa a atormentar os velhinhos. Dentre eles, estão os  excelentes atores Argentinos Marilu Marini e Arturo Goetz, que formam o casal de uma reveladora e bela história de amor. Goetz faleceu em Julho de 2014 aos 70 anos e deixou como legado filmes como "Derecho de família" (melhor ator coadjuvante no prêmio "Cóndor de Plata" 2007), "el asaltante" (melhor ator no Festival Independente de Buenos Aires/2007), "El nído vacío", "Rompecabezas , entre outros. 




Falado em espanhol e encabeçado por ótimos atores Argentinos, "Juan e a Bailarina" tem muito de Cinema Argentino. Não apenas pelo idioma e pelo elenco, mas tem a ver com roteiro e execução e como ambos se entrelaçam em uma narrativa cômica, dramática, humanista com um toque de frescor e ousadia do roteirista e diretor. A delicadeza e a combinação do lúdico e do realismo na composição dos planos e nas interpretações dos personagens são mais eficientes do que a história em si e corroboram que Aguinaga tem potencial para realizar novos e belos filmes.



Nos primeiros planos,  o que seduz é exatamente a apresentação desta casa, das histórias e sentimentos que ela guarda através da vida de cada um destes idosos, em especial, a de Juan (Goetz) e de seu isolamento totalmente diferente em comparação aos demais moradores. Ele é melancólico e mal humorado. Não sai do quarto  e lembra das danças que tinha com sua ex-amada. De forma contrária, está Alicia (Marini) que chega ao asilo após ser rejeitada pela nora e carrega a tristeza de estar longe do neto. Alicia é uma rebelde e não suporta ficar ali.  Com reações diferentes com relação ao espaço físico em cena, Juan e Alicia se encontram e têm uma segunda chance de aproveitar suas vidas. Desta forma, a casa é um dos personagens e foi uma das melhores escolhas do longa em função de como ela é apresentada em cena, em como cada detalhe da sua produção toma vida.






O início da narrativa também joga o público em um ambiente mais livre para descobertas e algumas incógnitas.  O longa é uma história sobre a desafiadora realidade do envelhecimento nos asilos? É uma história de amor baseada em abandonar as memórias de perdas no passado e abrir o coração para um novo romance? Ou talvez ela seja algo a mais que ficará claro à medida que a história toma uma forma mais consistente? Em comparação a outros filmes nos quais o elenco de idosos interage com outros personagens, como é o caso do longa chinês "O ciclo da vida",  em "Juan e a Bailarina", não aparecem visitas de familiares e amigos, muito menos a intenção é transformar o asilo em um ambiente extremamente árduo, solitário, visceralmente doloroso. Isto possibilita que o público queira descobrir quem são estes personagens, o que eles pensam e o que vão fazer, e possa ver cenas mais engraçadas, leves e líricas.


Um fato é claro: a narrativa ganha um elemento dinamizador externo à casa: o  clone de Jesus Cristo . À primeira vista, parece uma ideia sem sentido e louca para o contexto, porém, no decorrer da narrativa é possível verificar que este é um roteiro lúdico e apresenta duas figuras antagônicas que cooperam para movimentar a casa e, por consequência, a finalização do longa; de um lado, uma novidade que interessa aos velhinhos e que os liberta de um dia a dia entendiante, do outro, "A Bruxa" que vem para incomodá-los e eles precisam reagir a esta opressão.







Esta escolha de roteiro tem prós e contras. Ao mesmo tempo que podemos interpretar da forma que desejamos, isto é bom e faz parte da rica experiência com o Cinema, por outro lado, o filme provoca uma sensação de que o aparecimento de um clone de Cristo poderia ter sido melhor desenvolvido e explicado. É uma ideia bem peculiar e ficcional, tem um approach de realismo fantástico, muito comum na Literatura Latino Americana, entretanto ela não toma forma clara no filme. É muito mais uma simbologia de que os velhinhos podem acreditar e pensar no que eles bem entendem, assim como tomar as decisões que melhor lhes pareça, sejam elas afetivas, libertárias etc. 



"Juan e a Bailarina" é um bom filme como direção, com destaque para o carisma, bom humor e competência do elenco, a direção de atores, fotografia e, principalmente, em como o cineasta usa os espaços da casa e não cria um filme claustrofóbico. Aguinaga entrega-nos um belo longa sobre a possibilidade do amor, da liberdade e da diversão na velhice. Como diz seu título original "La sublevación", que significa rebeldia em espanhol, o longa é uma poética expressão de rebelião humana. Certamente, o aspecto lúdico de haver um Cristo clonado não tira a genuína e realista beleza das situações. Ele funciona como um intrigante gancho para o diretor trabalhar uma potencial sequência ou trilogia. O jeito é esperar as próximas novidades de mais um promissor talento Brasileiro do Cinema.




               


              Sala VillaCine está em funcionamento na Unibes Cultural



Review dedicada à memória do ator Arturo Goetz. Descanse em paz!




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