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Por  Cristiane Costa ,  Editora e blogueira crítica de Cinema, e specialista em Comunicação A Literatura tem a generosa m...

Cora Coralina, todas as vidas






Por Cristiane Costa,  Editora e blogueira crítica de Cinema, especialista em Comunicação





A Literatura tem a generosa missão de revelar muito do ser humano, o pior e o melhor, não importa; o que faz sentido é perceber o quanto ela revela o magnífico talento que está em uma pessoa comum, muitas vezes, de cotidiano  simples, vida modesta, mas que sabe ser próspera em palavras . Assim, a Literatura não é apenas mérito de uma elite privilegiada, burguesa, ela nasce do povo e para o povo também em cidadezinhas bucólicas. Nasce de cidadãos que alternam suas atividades na labuta com a paixão pela escrita. Neste caso, uma das maiores inspirações é a escritora Cora Coralina, que esta semana ganha a tela dos Cinemas Brasileiros com o longa "Cora Coralina, todas as vidas"e mostra sua força literária e feminina.






Nascida na cidade de Goiás  em 1889 como Ana Lins dos Guimarães Peixoto Bretas, ela é a Cora de muitas vidas e influenciou a Literatura Brasileira com sua narrativa poética e política. A doceira do velho Goiás era uma mulher generosa e de fibra, admirada por Carlos Drummond de Andrade,  fiel amigo que soube valorizar sua poesia e  contribuiu com a projeção da escritora. 



A carreira como poeta chegou tardiamente sob a perspectiva do palco literário nacional, entretanto ela já era uma combativa mulher das Letras. Trabalhou na editora José Olympio, escreveu cartas, artigos jornalísticos, poesia e prosa, além de expressar um destemido comportamento como mulher emancipada que buscou ser feliz e viver em diferentes cidades de São Paulo, constantemente ativa. Em grande parte, nestes lugares e ao longo de 45 anos de sua vida itinerante, ela desempenhou um forte papel social com seu espírito humanista, conciliador e comunitário.








Inspirado no livro "Raízes de Aninha" de Rita Elisa Seda e Clovis de Carvalho Britto, o longa dirigido por Renato Barbieri é um híbrido de documentário com ficção (docfic) que enfatiza as várias facetas de Cora Coralina com o desenvolvimento de uma narrativa em prosa poética mas também em representação ficcional das principais fases de sua biografia, da infância na velha casa da ponte, seu casamento e vivência no interior de São Paulo e o retorno à Goiás . Dentre suas conquistas, foi ganhador de “Melhor Filme” pelo Júri Popular e de “Melhor Edição de Som”, no Festival de Cinema de Brasília.





Um elenco estelar com Zezé Motta, Beth Goulart,  Walderez Barros (Cora Madura), Tereza Seiblitz (eu lírico de Cora) , Maju Souza (Cora adolescente), Camila  Márdila (jovem Cora no início da vida adulta) se dividem entre a ficção e a leitura de poemas e textos. Um dos  grandes destaques é a solidez dramatúrgica de Walderez Barros que agrega valor a qualquer projeto deste nível e tem uma bela performance na velhice de Cora. Na dimensão documental, o diretor conta com entrevistas com a família e amigos da escritora, assim como os autores do livro e o legado audiovisual da apaixonante Cora   (recortes de fala, pequenos vídeos etc).


Na execução, o diretor realiza um filme bastante didático na sua construção narrativa, intercalando as diversas vozes e interpretações das atrizes. É interessante observar que o longa tem o espírito humilde de Cora e segue uma linha singela, terna, valorosa, característica bem acertada e em linha com a biografia dela. O diretor escapa de algumas escolhas que poderiam comprometer essa costura narrativa, como por exemplo, a tempo, ele diminui o uso de narração das atrizes em frente à câmera e com o fundo negro na parede. O único  excesso no lado oposto da leveza da obra é o elenco. Embora  a polifonia de vozes seja positiva e uma bela estratégia narrativa, bastava ao filme apenas o elenco das Coras.


Quanto mais o filme fica livre e expande as fronteiras atravessadas por Cora, mais ele envolve e encanta, principalmente com o diálogo entre a palavra e  a imagem, entre as diversas Coras e o  caminho percorrido transformado em uma inspiradora história. A sua narrativa poética exige um contato íntimo com o livro, mas é possível reconhecer que o longa evidencia o grande valor da literatura de Cora , o entrelaçamento entre a prosa e a poesia de forma brilhante e com viés político.


Muito bem apoiado pela base bibliográfica do livro, da literatura e dos relatos de familiares e dos especialistas literários, Barbieri não compromete o melhor que o filme entregou e realiza um trabalho digno: o sentimento de que Cora merece ser muito homenageada  e simboliza uma inspiração não apenas com escritora mas também como mulher que representa a compaixão, a ternura e a coragem de muitas mulheres Brasileiras.




"A inspiração maior sempre foi a pessoa, a vida e a obra da poeta"
(Renato Barbieri , em nota do diretor)



A experiência com sua biografia revela uma mulher bem articulada e de opinião, essencialmente humanista e engajada em diversas atividades, enérgica em distintos ciclos da vida, que não viveu de glamour e se dedicou aos excluídos. Como uma mulher extraordinária, lutadora pela emancipação de tantas vidas, é inevitável observar que ela não foi valorizada como deveria no Brasil. Como tantas outras escritoras do país, Cora trabalhou como uma pessoa comum nos árduos dias e, nas horas de encantamento, escrevia sua bela e cativante Literatura. 


Genuinamente, ela tinha afeto pela cozinha e seus doces caseiros, pela defesa de causas sociais, pelo poder da palavra. Era uma pessoa humilde e generosa cuja lição de vida é o maior brilho dessa obra. É bem provável que ela não quisesse o glamour na sua maturidade. É melhor assim. É melhor ver todas as inspiradoras vidas de Cora Coralina para buscar mais o humano em nós. A verdadeira carreira é a humanidade que deixamos em vida.







Fotos e nota do diretor, uma cortesia Fênix Distribuidora de filmes.


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