Por Cristiane Costa, Editora e crítica de Cinema MaDame Lumière e Especialista em Comunicação
Na ventania (Risttuules), primeiro longa-metragem do diretor Estoniano Martti Helde, apresenta uma melancólica história construída através das memórias de guerra da estudante de filosofia, Erna Tamm (Laura Peterson), que teve sua liberdade roubada e a separação de sua família durante o Holocausto imposto na Estônia por Stalin, na Segunda Guerra mundial. Ao ser levada com sua filha a um campo de trabalhos forçados, Erna não se esquece de seu marido Heldur (Tarmo Song), mandado para uma prisão. Ela estabelece uma comunicação com ele, em todo o decorrer da história, contada em narração em off, sobre os dramas vividos por mais de 40 mil pessoas da Estônia, Letônia e Lituânia que foram retirados de seus lares para atender à limpeza étnica liderada por Stalin.
Erna com a família: fotografia mais clara, antes da escuridão da guerra.
A história se conecta com o público além das palavras de Erna, cada plano é fotografado como uma imagem que parou no tempo e é revisitada nas lembranças da História. De forma recorrente, o diretor congela a imagem e os personagens se tornam estátuas vivas durante a passagem do tempo. Este recurso audiovisual, embora exaustivamente utilizado por Helde, emula bem a intermitente paralisia causada por uma guerra, que tira a liberdade das pessoas, rouba-lhes a vivacidade, a juventude, a convivência em família e a ação de trilhar o próprio destino.
A cada plano, com a suave voz de Erna e a poética linguagem da fotografia em preto e branco, os estímulos do filme são sutis mas também poderosamente dramáticos, construídos através do jogo da imagem x palavra, em uma decupagem que optou por emoldurar a refinada fotografia e, ao mesmo tempo, realizar o contraponto com o escurecimento dos tons e luz, desta forma, evidenciando a brutal privação da liberdade e todo o drama da morte e da separação. Neste ponto, é interessante como o diretor realiza os primeiros 15 minutos do longa, nos quais, em parceria com o DOP Erik Põllumaa, ele impõe luz e movimento quando Erna está feliz em seu lar e com sua família, depois, a sua história é contada com uma fotografia mais crua e escura e com o congelamento dos personagens em variadas cenas.
O Holocausto na época de Stalin impôs a separação de famílias.
As cartas, com a generosa capacidade da escrita de fazer companhia às vidas solitárias e reclusas, são o canal de comunicação entre Erna e o marido. Através desta narração em off, intensamente utilizada pelo diretor, a intimidade de uma guerra é mostrada, emocionalmente dilacerante em muitos momentos. Em outras vezes, a narração em off é calada pelas imagens de uma guerra que a câmera denuncia. Apenas a câmera se move enquanto os personagens estão ali paralisados, assim, a câmera tudo explora e capta para trazer à luz que estes povos sofreram muito com o governo Stalinista e que havia muitos inocentes que foram vítimas da barbárie de uma limpeza étnica. Helde realiza uma escolha de direção cansativa, em diversos momentos, porém, é possível captar o drama de Erna, se colocar em seu lugar e pensar como seria viver sem família e sem amigos, como seria viver sem a liberdade devida, como seria sobreviver a um Holocausto e ter que guardar estas dolorosas memórias na alma. A sensível trilha sonora de Pärt Uusberg contribui para intensificar as emoções.
Trabalhadores nos campos de guerra: personagens comuns que representam o povo
uma homenagem aos sobreviventes da Estônia
O diretor, que também escreveu o roteiro, se dedicou a um texto intimista como os relatos de uma viagem temporal que nem mesmo a liberdade colocou fim. O filme pode ser comparado a um livro de memórias no qual as imagens de uma guerra se tornam eternas com a fotografia e com as palavras. Neste filme, não haverá trincheiras e nem cadáveres, não haverá os gritos de morte e nem as lágrimas desesperadas, o que representa um acerto do diretor, expondo a força que vem da vivência de personagens comuns. Com isso, existe esperança de que há algo mais forte que a guerra: a sobrevivência e a liberdade. São homens, mulheres e crianças que ali estão, que nada falam, não têm nomes, não têm representação. Erna dá voz a eles, surge como narradora da passagem do tempo, entre a mudança das estações e o fim da guerra. Mesmo em meio à morte, há vidas, há o esforço da sobrevivência, ainda que os personagens estejam ali mudos, a força da vida está em Erna, está em cada um que, após a ventania, permanece forte como um alicerce.
Ficha técnica do filme Imdb Na Ventania
Estreia do filme no Brasil: 23 de Junho de 2016
Distribuição Zeta Filmes
Cartaz e fotos: uma cortesia Zeta filmes
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