Por Cristiane Costa, Editora e crítica de Cinema MaDame Lumière e Especialista em Comunicação Empresarial
Sempre digo que o Cinema tem vários dons especiais, mas há um que é imbatível: contar histórias que mostram o que temos de melhor: a nossa humanidade; aquela capacidade de ser fortes e também tão vulneráveis e falhos, de ser amados por familiares, amigos e animais de estimação e ter o coração aberto e sincero para amá-los, cultivar essas relações e até mesmo brigar com eles, de tomar decisões espontâneas por surpreendentes escolhas e assumi-las diante dos outros, ainda que muitos pensem que estamos loucos. Ao final de um filme que nos aproxima de nossa humanidade, o sentimento que permanece é o da gratidão. É o que acontece em Truman, a mais recente coprodução Argentino-espanhola dirigida por Cesc Gay e estrelado por dois atores bem conhecidos na filmografia desses países, Ricardo Darín e Javier Cámara, mais um galã cativante: o cão Troilo, que arranca suspiros com seu olhar de leal amigo.
Vencedor de 5 prêmios no Goya: Melhor ator, melhor ator coadjuvante, melhor filme, melhor diretor e melhor roteiro original, Truman conta a história de Julian (Ricardo Darín) , um ator que está vivendo um momento crítico ao enfrentar uma grave doença. Separado, irmão de Paula (Dolores Fonzi) e com um filho que estuda na Holanda, Julian vive sozinho com seu cão Truman. Ele recebe a visita de seu amigo Tomás (Javier Cámara) que vive no Canadá com a família e ambos iniciam uma jornada cômico-dramática de compartilhar os momentos juntos ao lado de Truman. Se o cachorro é o melhor amigo do homem, Tomás também demonstra que, ainda que tenha um jeito de ser bem diferente de Julian, a amizade resistiu ao tempo e à distância. O resultado é um filme singelo, leve e com a agradável simpatia dos dois atores.
Em suas linhas mais amplas de entendimento, Truman é basicamente um filme sobre a amizade. Amizade que dura anos, que não se entristece pela ausência e nem pelas verdades ditas na cara. É por isso que a química dos personagens de Darín e Cámara funciona muito bem. São diferentes e cada um reage à delicada situação da história de uma forma distinta. Ainda assim, o respeito mútuo é uma constante e as discussões cômicas fazem parte da sinceridade. Na execução da narrativa, essa amizade é belíssima porque há cenas com gancho para a tristeza, a culpa, o companheirismo, o humor, a briga (com alguns palavrões no bom e velho espanhol) e, no final da contas, ninguém é julgado ao extremo. As escolhas são respeitadas, os desabafos e o silêncio, também. O afeto está presente e, com graça, domina o filme.
“’Truman é um olhar sobre a forma como reagimos ao inesperado, à dor e ao desconhecido. E é também um filme sobre a amizade.” (Cesc Gay)
Com igual peso, essa é uma comédia dramática de fácil gosto popular e tem uma grande sacada: consegue ter uma pegada de cinema independente e contar uma história universal que, em algum momento, alguém deve ter vivenciado com algum amigo, familiar ou animal de estimação. Além do mais, apresenta um elemento que muitos amam: a amizade canina, esse amor profundo que muitos de nós temos por cães e que chega a doer no peito por ser maior do que o próprio coração. Com esse roteiro, simples e original, a narrativa coloca o afeto, a lealdade e o amor acima de desafios como a doença e a morte e, de uma maneira gentil e bem humorada, guarda em si uma forte autenticidade do personagem de Ricardo Darín. Mais uma vez, o ator paixão nacional (e mundial) do Cinema Argentino leva o papel com muita segurança, carisma, bom humor e tranquilidade. Preenche toda a tela com sua simpatia e , muito naturalmente, faz a gente tirar o lencinho do bolso para enxugar as lágrimas. Darín tem um perfil muito diferenciado como ator porque ele consegue ser um homem acessível e normal às plateias. Ele consegue ser aquele amigo que estamos encontrando na tela grande ou que gostaríamos de ter.
Truman é um daqueles filmes comoventes que permanecem na memória por dias não apenas pelo valor da amizade, mas pelo valor das nossas escolhas que não precisam ir na mesma via do que a sociedade acha como mais natural e esperado. Muitas vezes, os nossos valores não estão em bens materiais, terrenos e na urgência de seguir a previsibilidade imposta pelo ambiente, eles estão nas relações que encaramos como saudáveis e leais, estão no nosso bem querer em todos à nossa volta, ainda que estejamos em situações desesperadoras. Assim, aqueles amigos que sabem entender nossas escolhas, ainda que não concorde com elas, esses são nossos verdadeiros amigos.
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