Os primeiros minutos de A Morte num beijo, film noir dirigido por Robert Aldrich, dá o tom de suspense, paranóia e pesadelo, em grande estilo, que permeia todo o longa. Uma loira amedrontada Christina Bailey (Cloris Leachman) foge do sanatório e aparece correndo em uma estrada escura, gritando por socorro. Como uma sedutora mulher frágil e em perigo, sua pele nua está coberta somente por um casaco 7/8, nada mais carrega consigo. Na estrada, surge o durão e charmoso detetive Mike Hammer (Ralph Hammer) com seu veloz esportivo. Ele pará o carro e a socorre. Trocam algumas palavras, entre as quais a instigante frase misteriosa "Lembre-se de mim", que será a pista para os vindouros desdobramentos investigativos. Mais tarde, os homens maus aparecem. Eles não conseguem arrancar nenhuma informação dela. Ela é torturada. Ele fica desacordado. Começa o aclamado suspense negro, em um clima de desconfiança típica do pós - guerra, de detetives fracassados e oportunistas, corruptos impiedosos e mulheres sedutoras e ociosas. Fica a incógnita para Mike investigar e tirar algum proveito: Por que mataram Christina? O que de tão precioso ela sabia?
Mike Hammer é um detetive vivaz e sedutor de Los Angeles, que vive de investigar casos extraconjugais e obter benefícios financeiros com os divórcios alheios. Juntamente com sua amante e comparsa, a charmosa morena Velda (Maxine Cooper), eles obtém provas de adultério e demonstram, entre beijos e negócios, que foram feitos um para outro. Após acordar em um hospital, Mike tem a intuição de que mataram Christina por algo muito valioso. Começa a sua sina de herói noir, destemido e bruto, o que garante boas cenas da violência do gênero, na qual o detetive chega e coloca tudo para quebrar, sem nada a perder, desarmando valentões e dando socos certeiros. Mike ainda consegue os beijos e suspiros das mulheres que não resistem ao seu charme viril, entre elas a atriz Marian Carr, que interpreta a irmã de um bad guy. Além do mais, mortes misteriosas ocorrem à medida que o Mike avança na investigação e, como um excelente roteiro de inspiração noire, o expectador é envolvido em uma trama duvidosa e confusa, com um clima de pesadelo no qual qualquer um pode ser o bandido, até mesmo a mocinha ingênua e indefesa, de voz suave e cara de tolinha.
Embora a direção de Aldrich seja o que há de mais superior no longa, com a perspicácia de usar vários elementos clássicos do noir como detetives ambíguos e violentos, mulheres sensuais e duais, homens corruptos, jogo de sombras, baixa e contrastante iluminação, clima de paranóia e de pessimismo e câmera alta para ressaltar personagens fracos, o roteiro não fica atrás e é muito funcional para contar uma história do gênero policial, no qual heróis de carater duvidoso e arruinados ingressam em uma investigação após se envolverem com alguma bela femme fatale. Mike Hammer não entra na investigação pela justiça e sim para obter alguma vantagem. Nada o detem, mesmo que coloque em risco a vida de amigos e de sua amante. Tal característica do herói noir só reforça sua personalidade fraca e vulnerável, que reflete o fatalismo da época. O expectador percebe que Mike Hammer não tem profundas razões para seguir adiante em um caso que pode tirar-lhe a vida. A atuação de Meeker não é tão carismática e durona como a de um Bogart, porém reúne a experiência que ele teve em realizar papéis detetivescos e policiais.
A direção de Robert Aldrich coloca o A Morte Num Beijo como um clássico noir obrigatório em preto e branco e um de seus melhores filmes. Há um olhar preciso do cineasta em enquadrar os planos com o contraste da luz e sombra, como em uma cena na qual Velda e Mike estão conversando em um sofá e é visível a beleza do estilo visual noir, com as sombras dos personagens convivendo harmoniosamente com a de um abajur. O diretor usa a cineatografia noir a seu favor ao abusar dos recortes em partes dos corpos como os pés das vítimas e os sapatos dos bandidos, o que cria uma atmosfera misteriosa, que oculta rostos em desespero ou violentos e deixa o espectador mais tenso com tanto suspense e o que há por vir. O cineasta utiliza locações típicas do gênero como ambientes urbanos e obscuros, e lugares mais afastados, que vão desde bar e oficina de carros até uma estrada deserta e uma casa de praia. Também, há um exímio trabalho de movimento e posicionamento de câmeras, com ângulos visualmente expressivos, como por exemplo, as cenas de escadarias com Mike Hammer filmado em câmera alta e bem recortadas em um clima sombrio como se tivesse sendo observado por alguém. Enfim, mais uma ótima virtude do longa é manter o mistério até o fim, tudo guardado em uma sinistra caixa que promete um final explosivo.
Não conhecia esse filme, mas ADOREI o texto!!
ResponderExcluirDiferentemente da Kamila, eu já conhecia o filme e já o vi, mas faz tanto tempo...
ResponderExcluirFoi como descobri-lo novamente nessa gostosa leitura da Madame Lumière.
Agora, um comentário seu me chamou a atenção e merece o endosso. Em matéria de Noir, Bogart é mesmo inigualável!
Bjs
Kamila, obrigada. Vale a pena assistir. Tecnicamente, o filme é um show noir, principalmente como os planos são filmados e cortados.
ResponderExcluirReinaldo, Isso é verdade! Bogart nasceu para o noir. bjs
Ótimo texto sobre um dos meus noir favoritos! A Morte Num Beijo é mesmo um marco, algo único, diferente de tudo. O final é absolutamente esplêndido! Do Aldrich, já viu o Baby Jane? É meu favorito dele, acho perfeição em forma de Cinema.
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