Em mais uma excepcional parceria do diretor Martin Scorsese com o seu pupilo Leonardo diCaprio, ambos também produtores do filme, O Lobo de Wall Street é um exemplo de que não importa se a mesma história de um homem pobre que se transformou em um endinheirado corrupto se repete em Hollywood, o mais importante são as mentes brilhantes que tornam a história um novo filme que dá prazer de assistir. É o que acontece com esse, um dos concorrentes ao Oscar como melhor filme, O Lobo de Wall Street é baseado na biografia de Jordan Belfort (Leonardo diCaprio), um corretor de valores empreendedor e especulador que abriu a própria empresa em Wall Street, reuniu uma equipe interessada por dinheiro fácil e construiu seu império milionário com base em fraudes de ações. Enganou muita gente, ficou no radar do FBI e torrou muita grana com seu vício em drogas e sexo, ou seja, viveu La vida loca. Com a incrível habilidade de Scorsese como um exímio contador de histórias e a competente e madura atuação de Leonardo diCaprio, o longa é uma comédia obrigatória para quem deseja apreciar quanto talento há nessa parceria e como ainda é possível filmar uma comédia com qualidade.
Com duração de 3 horas, o que seria um problema de montagem ou de objetividade nas escolhas da direção, não é. De forma impressionante, o expectador se envolve com as três horas sem notar que o tempo passou. Embora fosse possível diminuir a projeção em meia hora, Scorsese tem um dom muito positivo de entreter o público com personagens deslocados que tentam ganhar a vida de alguma forma e que carregam um misto de humor com violência e tragédia pessoal; portanto a figura de Jordan é uma ótima experiência para compreender o Cinema de Scorsese e, principalmente, para entender o tato que o diretor tem para fazer comédias de personagens complexos que vivem como se não houvessem arrependimentos e nem conflitos morais. A biografia do ex-corretor de valores é uma comédia de um homem ambicioso e perturbado e, como boa parte dos anti-heróis de Scorsese, o público tende a simpatizar com Jordan Belfort. Ele é um cara inspirador e engraçado que poderia ser perdoado e Leonardo diCaprio é responsável por isso através de uma atuação verosssímil, com muito vigor e necessários excessos. Sua sólida interpretação segura o filme por 3 horas, digna do tão esperado Oscar de melhor ator, DiCaprio dá conta do recado com muito fôlego. Essa é uma das virtudes do filme não ser cansativo e aborrecedor.
À medida que o roteiro evolui, há uma curiosidade natural por quem é Jordan Belfort e porquê ele é tão influente, tão carismático e um exemplo de babaca doidão. Sua vida é cheia de exageros como transar com muitas prostitutas, cheirar muito pó e gastar muito dinheiro com noitadas, porém a questão não é só essa. Ainda que haja muito sexo, drogas e palavrões no filme, o exagero nessa linguagem é intencional e a super exposição desses elementos é uma forma de expor o comportamento extremo no personagem, levando o público a ingressar naquele mundo de excessos. Nada é suficiente para Jordan Belfort, o que é natural vindo de um homem compulsivo. Nem a bela esposa Naomi (Margot Robbie), uma loira que parece uma coelhinha da Playboy , nem os conselhos do seu pai, Max Belfort (Rob Reiner) lhe são suficientes para ficar satisfeito com o que já tem. Quando se assiste às cenas na qual Jordan Belfort permite a mesma libertinagem sexual no escritório e incentiva os funcionários a transarem no trabalho como se estivessem entre amigos em uma despedida de solteiro, tal excesso atiça a curiosidade do expectador por quem é ele. Seu vício em sexo e em drogas chega a um limite que experimentar a droga mais pesada ou uma droga com validade expirada é como tomar uma cerveja. O absurdo chega ao cúmulo de situações bem cômicas como desejar tomar suas drogas quando seu barco está sendo destroçado por ondas na Europa ou dirigir irresponsavelmente com uma crise de paralisia no corpo, momentos hilários e imperdíveis. Desta forma, não há como não se perguntar: "Quem é esse maluco? Por que ele age assim? Ele existe mesmo?" No geral, não há ênfase na violência física, um dos traços da filmografia de Scorsese, mas a violência se manifesta exatamente nisso: muita droga, sexo e dinheiro não deixa de ser uma forma de violência. O excesso é uma autoviolência e traz consequências, inclusive alguma redenção.
Para a experiência narrativa do Cinema, a característica mais interessante nesse protagonista é que Jordan Belfort age como se vivesse em um mundo muito próprio que é apresentado em 3 horas. Idealmente, o público deveria ser colocado em um dilema moral, porém ao invés de se preocupar com o que é o certo e o que é errado na conduta de Jordan e sua equipe, é mais agradável rir e conhecê-lo melhor para ver qual será o desfecho, afinal, eles são simpáticos e malucos, preocupar-se com questões morais seria perder a parte do show e nem esse é o objetivo mais importante. Assistir Scorsese já é um exercício de Cinema e, portanto, esse é o objetivo mais relevante. Como uma boa enciclopédia humana da Sétima Arte, ele usa seu estilo com referências metalinguísticas: por exemplo, citou Gordon Gekko de Wall Street de Oliver Stone, assim como utiliza uma câmera que explora bem objetos e apresenta muitos personagens. Além da atuação de Leonardo DiCaprio, o elenco de coadjuvantes tem tipos muito engraçados e que ganham simpatia pela excentricidade, com destaque para o ótimo Jonah Hill no papel de Donnie Azoff, amigo e um dos sócios da corretora, o Francês Jean Dujardin como Jean Jacques, outro corrupto e gerente de banco suiço, e para a participação relâmpago de Matthew McConaughey como o mentor Mark Hannah em um excelente momento, digno de palmas e para rir na cara de Wall Street, cheio de masturbadores e drogados. Bastaram alguns minutos para Matthew imortalizar como Jordan Belfort seria no futuro: um homem viciado em drogas, sexo, muito dinheiro e ambição. Sob a perspectiva do desempenho do elenco, Scorsese demonstra que é muito bom na direção de atores, outra excepcional virtude do cineasta. Considerando o número de atores coadjuvantes, a sinergia e energia que o elenco apresenta e a agilidade na participação deles a cada corte, Martin Scorsese é um Lobo na direção e, com Leonardo DiCaprio, outro Lobo na atuação, resta ao público unir-se a essa maravilhosa matilha como um bom e leal expectador.
Demais a sua análise, madame...
ResponderExcluirUau! Bela crítica. A forma como vc sublinha os méritos de Scorsese, o Papa entre os bispos do cinema, merece registro. Este é um dos grandes filmes da década e com o tempo receberá o destaque que merece na filmografia brilhante de Scorsese. De quebra, o melhor trabalho da não menos estupenda carreira de DiCaprio.
ResponderExcluirbjs