"Os homens ensinaram que a vida segue dois caminhos: o caminho da natureza e o caminho da graça. Você tem que escolher qual dos dois irá seguir"
(Árvore da vida)
Terrence Malick dirigiu um dos mais sensoriais e oníricos filmes dos últimos tempos, A árvore da vida, uma obra de arte metafísica e poética sobre a origem da vida, da criação do mundo ao drama da família O'Brien após a perda do filho. Além do primor estético e de apurada montagem, o diretor revela um filme universal com um sensível carater autoral. O resultado é muito mais do que imagens com elementos religiosos, é a sua capacidade de levar o público à uma profunda reflexão intimista e existencial, podendo expandi-la para questões espirituais e filosóficas. O filme é como a criação do universo, não há limites para interpretações, sendo essa, um breve recorte pessoal.
Embora beba da fonte do Cristianismo e da criação da vida e abra o filme com a citação bíblica 38:4-7 de Jó, Malick nos entrega um primoroso longa universal. A partir de uma dolorosa perda em uma família do Texas nos anos 50: a morte do filho do casal O'Brien (Brad Pitt e Jessica Chastain), o filme evolui para uma narrativa não linear sobre esse ciclo da vida, inclusive a familiar com questionamentos tão naturais à existência e à fé, assim como conflitos entre a natureza e graça e imagens da formação do mundo. No longa, Jack (Sean Penn) lembra do irmão falecido aos 19 anos, da sua infância rígida, da relação com a autoridade do seu pai e o afeto de sua mãe.
Independente de religião, a universalidade do filme está na existência da vida, e portanto, de nós mesmos, na qual como seres humanos frágeis tentamos nos apegar no que é a nossa existência tão complexa e perene; afinal "Por que estamos aqui, passamos algumas situações e suportamos tantas"?. Isso pode explicar porque o filme é tão sensorial que perguntas não precisam ser respondidas e nem muitas palavras são necessárias. Na vida real é assim: no silêncio há gritos, no sermão, sussurros. Cada um ouve a resposta de uma forma.
É da natureza humana ser dual e lidar com o conflito entre seguir a graça, o amor, o perdão, o sacrifício e/ou seguir a natureza egoísta, orgulhosa, individualista e ingrata. Ainda que essa dualidade seja uma das bases que sustenta grande parte das religiões quando o assunto é "o certo e o errado", o filme só pode ser apreciado de forma mais expansiva e madura se o público pensar na condição humana. O homem pode escolher ou inclinar-se mais a um dos lados mas, ainda assim, tem que conciliar os dramas de sua própria existência, assim como o jovem Jack ao lidar com um pai autoritário e uma mãe amorosa, ouvir um sermão na igreja e sofrer a ausência do irmão. Alcançar a graça também passa por lidar com a figura paterna, que pode ser repressora para uns e afetuosa para outros. Dependerá da perspectiva de cada espectador, assim como para alguns Deus é opressor, para outros, ele é o pleno Amor.
Ao lançar dramática e poeticamente a perda de um filho, Malick desestrutura uma família para que as perguntas possam ser feitas e o público acompanhe as imagens oníricas no seio familiar: nascimento, infância, vida adulta, abrindo um ciclo que é o da própria vida. Ela não é perfeita e, para que haja uma maturidade, a vida passa por algumas perdas , seguidas de perguntas sobre o porquê. Basta lembrar as de Jó, um homem tão temente e próximo a Deus, perdeu tudo e restaram-lhe dúvidas e perguntas, tampouco respondidas assim como as do filme.
Após a morte de um ente querido, é natural perguntar mais pelos porquês. Aquela voz que pergunta pela perda do filho é de romper o coração pois podemos nos reconhecer nela também. É da nossa humanidade, em momentos de perdas, questionar mais se vale a pena optar pela graça do que pela natureza: "por que aconteceu isso? Por que com ele(a)? Por que estou aqui? Por que você não estava aqui? Por que acreditei em você? Por que mereço isso?". Podemos maldizer e até amaldiçoar a graça quando algo nos falta, mas também podemos nos ajoelhar, orar e ter a esperança fortalecida. Os porquês são muitos e surgem ora verbalizados ora silenciados. Há religiões que condenam os porquês, afinal, como perguntar a poderoso(s) Deus(es) o porquê de suas escolhas?, mas questionamentos estão na essência da humanidade e nos aproximam de qual caminho seguir. No final, o livre arbítrio é de cada um e, ironicamente, não temos todo o controle da vida.
Uma das belezas do filme são as variadas interrogações. Perguntas que não são das personagens, são perguntas que podem sair da boca de qualquer um de nós. Essas incógnitas fazem parte da nossa condição humana que chegam a emocionar, podendo lançar-nos ao alto ou ao fundo do poço durante a projeção do filme. Se não fossemos tão grandiosos e, ao mesmo tempo, tão pequenos, não teríamos essa crescente insegurança e a necessidade de perguntar a algo superior à nossa fragilidade. Assim é a origem da vida e sua evolução, cheia de dúvidas e mistérios, no qual nos equilibramos entre alcançar a graça ou seguir a nossa natureza destrutiva.
Uma reflexão que, sem dúvidas, melhora um filme bom, mas não tão bom quanto se imagina. Prefiro "Amor pleno" do Malick. Já viu?
ResponderExcluirBjs