Uma das melhores demonstrações de amadurecimento de um ator no Cinema é quando ele consegue inverter a visão medíocre que as pessoas tem sobre o trabalho dele(a). Sob esse aspecto, podemos dizer que Matthew McConaughey é a grata surpresa de 2013. Após Matthew ser muito conhecido por atuações em comédias românticas como Como perder um homem em dez dias, Armações do amor, minhas adoráveis ex-namoradas, entre outras, agora ele é o cara da vez com atuações bem mais complexas e sólidas. Fez uma ponta avassaladora em O Lobo de Wall Street como Mark Hanna na qual bastaram alguns minutos relâmpago para brilhar ao lado de Leonardo di Caprio e atua como protagonista em Clube de Compras Dallas, drama dirigido por Jean-Marc Valléé, no qual faz o papel de Ron Woodroof, um mulherengo e homofóbico eletricista e peão dos Texas que, após ter uma vida sexual muito intensa e sem uso de preservativos, contrai o vírus do HIV e luta contra a doença. Elevando a sua sobrevivência a um nível além de si mesmo, ele começa a pesquisar sobre a AIDS e funda um Clube de Compras para ajudar outros doentes a viver, batendo de frente com autoridades médicas e legais.
O roteiro do longa é bem original. Outros filmes já trataram da luta pela sobrevivência em tempos de Aids e, principalmente abordaram preconceitos e percalços vividos por seus protagonistas, porém o roteiro coopera para que Matthew eleve o filme à um drama ligeiramente mais visceral, muito realista e sem muitas papas nas línguas. O ator se entrega ao seu Ron e essa dedicação o torna um monstro na atuação, muito autêntico, versátil, com ritmo na atuação e senso de humor. Embora Ron seja um homem machista e homofóbico, muito coerente com uma cultura texana de homens rústicos e àquele ambiente mais brutal no qual homens participam de rodeios, bebem e pensam em sexo, ele não esconde os seus preconceitos, o que indica uma sinceridade com o público. Se no começo do longa, isso pode chocar o expectador, por outro lado, o desenvolvimento do personagem é muito bom. Ele é real, nada mascarado e, ser assim faz parte da transformação humana que a doença lhe trará. Para ele, Aids é doença de gays e, com isso, uma das belezas do filme é que ele se aproxima exatamente de quem criticou, quebrando o paradigma e convivendo com outros homossexuais. Seu personagem é forte e decidido e tem um senso de humanidade ocultado que, à medida que ele ajuda a si mesmo e outros doentes, principalmente com sua parceria e amizade com Rayon (Jared Leto), o filme cresce junto com eles e sua humanidade vai sendo revelada. Matthew arrasa de forma tão humilde e memorável que já ganhou o Globo de Ouro e o SAG de melhor ator principal e está concorrendo ao Oscar na mesma categoria.
Ao descobrir que tem AIDS, Ron tem um insight para sobreviver. Ele se recusa a aceitar a morte em 30 dias. Sua luta pela sobrevivência o mobiliza a buscar soluções autônomas. Ele se torna um tipo de 'fora da lei', por assim dizer, ao importar medicações não legalizadas nos Estados Unidos e vendê-las como um coquetel de proteínas, vitaminas etc. Ele torna a automedicação um negócio lucrativo, mas a grana aqui é o que menos importa, o mais relevante é sua ação contra o status quo. Ao fundarem um Clube de Compras, no qual cada doente em tratamento tem a liberdade de pagar uma adesão e receber a medicação que deseja, o filme abre uma discussão bastante controversa sobre o uso de drogas para tratar doenças sem cura. Em alguns de seus vários subtextos, é possível refletir sobre o porquê a indústria farmacêutica pode aprovar e comercializar remédios, a classe médica pode testá-los em cobaias humanas e o indivíduo comum não pode ter a liberdade para escolher o próprio tratamento, muitas vezes se submetendo a experimentos médicos que deixam o seu sistema imunológico devastado. O contexto do filme relata pesquisas com AZT, uma medicação para tratamento de pessoas com AIDS que ainda estava em pesquisa e debilitava o organismo. Ainda que o foco do filme não seja falar diretamente como uma crítica à indústria farmacêutica e sim focar mais na jornada de Ron e seus esforços, o longa é fantástico ao discutir o tratamento em um patamar "não políticamente correto" já que a atitude de Ron como sobrevivente é muito mais nobre do que discutir se seu negócio é ilegal e seu comportamento é ilícito.
Como uma dupla maravilhosa de atores, Matthew e Jared merecem o hype que está sendo feito na época de premiações. Tidos como bons atores, mas sempre trabalhando no geral em filmes mais medianos, eles elevam Clube de Compras a um nível dos dramas bem construídos e interpretados e que vale cada minuto de exibição. Ambos são um exemplo recente do que faz um bom drama: muito mais do que sua história e direção, é a capacidade do elenco de expressar a força dramática de seus personagens e emocionar a audiência, tornar a história um espelho de uma real vivência humana por mais dolorida e desafiadora que seja. Ron não perde sua essência como o machão texano, porém aos poucos é nítido ver o afeto que ele e Rayon desenvolvem como uma amizade. A ideia de que, no final, estamos no mesmo barco e queremos só viver é o alicerce dessa dupla ainda que tenham suas diferenças. Transformar essa sobrevivência em um business não é hipócrita e egoísta, é ter a opção de buscar saídas que não favoreçam somente um ou outro e construir a vida que a doença está negando para todos. Em uma das falas mais contundentes e belas de Ron, ele diz algo como se estivesse construindo uma vida que não será capaz de viver. Essa fala simples e profunda explica muitas coisas do filme e, em especial, que só temos uma vida, podemos decidir vivê-la mesmo quando todos já acham que estamos mortos.
Ficha técnica do ImDB
Eu gostei mais desse filme do que imaginava que gostaria. O roteiro é especialmente bom, muito bem urdido e atento a miudezas que elevam o status do filme. McConaughey e Leto, como sua crítica destaca, respondem pela coesão emocional de Clube de Compras Dallas. Um filme que, no fim das contas, merece o hype que ostenta.
ResponderExcluirBjs