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Quando se fala em direção de Cinema, cineastas têm a influência de outros diretores em sua formação e experiência desde os anos de fac...

Trapaça ( American Hustle) - 2013




Quando se fala em direção de Cinema, cineastas têm a influência de outros diretores em sua formação e experiência desde os anos de faculdade e/ou no início de suas Cinefilias. Se por um lado, inspirar-se no estilo de um aclamado diretor ao fazer um filme é uma escolha admirável que pode ser interpretada como uma homenagem ou um desafio pessoal, por outro lado é uma escolha arriscada que pode criar lacunas na direção, comparação entre os diretores  e uma impressão de que o filme poderia ser bem melhor e  merecia ter um estilo próprio de direção. Esse é o caso de Trapaça (American Hustle), de David O Russell, um dos concorrentes ao Oscar de melhor filme e melhor diretor e uma evidente demonstração de uma tentativa de fazer um filme Scorsesiano. Nisso reside a "faça de dois gumes" de imitar o estilo de um grande diretor, o filme é bom, bem humorado, estiloso e  David  foi corajoso, porém em comparação aos seus outros filmes e analisando o histórico de sua direção, fica a incógnita: Qual é o estilo próprio de David O Russell? Ele ainda não tem um estilo como marca pessoal do seu Cinema. Ter emulado o Cinema de Scorsese só ajudou a não dar essa resposta.


Trapaça fala sobre sobrevivência na década de 70, mas o roteiro é tão atual com relação à corrupção como ganho de propinas entre políticos e mafiosos e golpes financeiros em gente endividada, que essa é uma história contemporânea e atrativa por caber em muitos contextos. Para sobreviver, trapaças são necessárias ou não, depende de quem entra no jogo e até quando se deseja jogar.  No longa, Irving Rosenfeld (Christian Bale), casado com Rosalyn (Jennifer Lawrence), é um golpista influente que ganha direito fácil com sua charmosa e perspicaz amante Sydney Prosser (Amy Adams). Ambos vendem obras de arte falsificadas e tem um escritório de concessão de falsos empréstimos. De golpe em golpe, Irving e Sydney sobrevivem como almas gêmeas até que são pegos pelo agente do FBI, Richie DiMaso (Bradley Cooper) e são forçados a ajudá-los em ações para flagrar políticos corruptos e a  máfia em esquemas de favores políticos e ganho de propinas, um desses políticos é o prefeito Carmine Polito (Jeremy Renner) .A dinâmica do filme é toda elaborada para mostrar a reviravolta que a chegada de Richie significa: de um lado, o agente do FBI tem um ego bem inflado, deseja pegar os peixes graúdos e tem certa admiração pela dupla. Richie também quer sobreviver. Por outro lado, Irving e Sydney não tem saída e vê o relacionamento amoroso abalado. Acabou-se o sossego de pequenos golpes e a bola da vez é entrar nos planos do FBI e se arriscar.


Trapaça tem o seu charme e isso é um fato que deve ser reconhecido. Além de um roteiro sobre sobrevivência e todos precisam sobreviver em um mundo cada vez mais incontrolável e corrupto, tanto que concorre ao Oscar de melhor roteiro original, muito do charme é ser influenciado pelo Cinema de Martin Scorsese e pelo bom gosto de David O Russell que soube fazer boas escolhas na direção de Arte e na trilha sonora. Com excelentes direção de Arte e o Figurino, categorias pelas quais o filme também concorre ao Oscar, Trapaça tem uma pegada irreverente e pop que possibilitam que o expectador seja transportado para os anos 70 e queira vivenciar essa icônica moda. Na trilha sonora, assim como Scorsese, ele usa bastante recursos musicais para criar uma conexão emotiva do público com os personagens em momentos mais pessoais e emblemáticos nos quais a música é o próprio personagem e tem uma função narrativa relevante, tanto que há dois em especial com o uso de grandes clássicos de Bee Gees e Wings, respectivamente, quando Jennifer Lawrence chora ao som de "How can you mend a broken heart" e limpa a cozinha ao som de "Live and let die". 


Existe outro aspecto virtuoso em Trapaça que está diretamente relacionado ao elenco de grandes estrelas,  virtude que assegura a salvação de boa parte do longa e, muito provavelmente, ajudou o cineasta a cumprir sua visão. Esses atores são fetiches de David O. Russell e já trabalharam anteriormente com ele em filmes com O Lado Bom da Vida (Robert de Niro, Bradley Cooper e Jennifer Lawrence) e O Vencedor (Christian Bale e Amy Adams). Se por um lado, as atuações são boas, com destaque para  o amadurecimento de Amy Adams,  naturalmente deslumbrante a cada cena com seu cabelo de leoa e seus seios quase à mostra,  por outro lado o mérito das atuações são mais dos atores e do quanto eles já estão acostumados a trabalhar juntos do que do diretor. Esse é um outro aspecto da "faça de dois gumes" em se trabalhar com atores em sistema de parceria porque questiona-se até que ponto o mérito é do ator ou do diretor. Aqui, é mais das atrizes que sustentam a narrativa.



É bastante  perceptível que David O . Russell poderia ter feito um trabalho excepcional de direção de atores e desenvolvido melhor os personagens. Ainda são um pouco rasos para um filme inspirado pelo estilo de Scorsese. Por mais que haja um ingrediente cômico em cada figura, o resultado das interpretações é mais de entretenimento e muito pouco dramático. De certa forma, o que frusta os mais atentos é que esses personagens tinham riqueza  e complexidade dramática para explorar suas tragédias pessoais, ainda que de forma mais bem humorada. Faltou mais de Scorsese nesse aspecto. Quando se pensa no Cinema Scorsesiano, há muito mais habilidade de direção de atores para equilibrar o cômico e o trágico, basta lembrar do Tommy Devito (Joe Pesci) em Os Bons Companheiros ou Rupert Pupkin (Robert de Niro) em O Rei da Comédia. Todos complexos e acessíveis. A Rosalyn de Jennifer Lawrence tem um pouco mais de drama cômico, seu personagem é muito interessante como uma mãe solteira, jovem e instável emocionalmente, o que a torna uma coadjuvante essencial para o crescimento da narrativa e explica o porquê ela tem sido elogiada pelo trabalho. Rosalyn dá um rumo diferente aos fatos e é a que mais se desenvolve em sua condição. Sem ela, não seria possível dinamizar e evoluir a narrativa a partir de certo ponto da fita. Com muita habilidade da atriz, há um senso de frágil humanidade em Rosalyn que a torna mais próxima do público e, portanto, fundamental à trama. Entre as melhores contribuições estão as de sua personagem e, no geral, ela e Amy Adams são as estrelas do filme.


Trapaça é bom e é uma bela homenagem à Scorsese. David O . Russell não perdeu a oportunidade de abusar da música, dos típicos movimentos de câmera e da narração em off. Ele não deixou de usar hábitos de direção de Scorsese como close ups em objetos, cena em bar na qual a câmera vai apresentando vários tipos com cortes para várias direções e falas e aquela gritaria comum que só os Scorsesianos entendem, porém, doa a quem doer, ainda está longe de ser um filme de Scorsese. Ainda que talvez essa não tenha sido a intenção do diretor, mais importante do que ser influenciado por um mestre na direção é ter o próprio estilo. David O Russell é muito competente e talentoso mas sem uma marca particular na direção, falta-lhe algo que é sua voz particular como cineasta, aquela voz que é capaz de ser reconhecida de forma atemporal e pelos que o seguem em seus filmes. Nesse aspecto, ele continua sendo uma incógnita e, portanto, deve procurar sua missão no Cinema.






Ficha no ImDB

Um comentário:

  1. Uma análise caprichada, inteira e detalhista como já era de se imaginar Cris. Eu gostei muito de "Trapaça". Concordo com essa lacuna de estilo que Russell evidencia ao evocar suas inspirações cinéfilas na direção. Mas acho que o principal aspecto de seu cinema é o cuidado com os personagens, daí surge a única reserva que tenho a sua avaliação. Não acho que eles sejam rasos ou pouco aproveitados aqui.
    Enfim, pode-se dizer que Russell é o cineasta que mais provoca entusiasmo em mim nesse momento. Mas ele não é o melhor em competição. O mestre, a quem ele reverencia em "Trapaça", é o melhor do ano. Só para variar!
    Bjs

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