Sou MaDame Lumière. Cinema é o meu Luxo.

Por  Cristiane Costa ,  Editora e blogueira crítica de Cinema, e specialista em Comunicação Uma Mulher Alta (Beanpole/ Dylda, 201...

Uma Mulher Alta (Beanpole / Dylda, 2019)





Por Cristiane Costa,  Editora e blogueira crítica de Cinema, especialista em Comunicação



Uma Mulher Alta (Beanpole/ Dylda, 2019), drama Russo do jovem cineasta Kantemir Balagov (de Tesnota) é uma obra prima com toda a nobreza, potência e arte presentes no sentido desta palavra. Indicado pela Rússia como melhor filme internacional no Oscar 2020 e inspirado na obra "A guerra não tem rosto de mulher", de Svetlana Aleksiévitch (vencedora do Nobel), o longa tem tantas virtudes que não cabem em uma crítica e nem mesmo em uma opinião muito técnica. É um filme que deve ser testemunhado pelo olhar sensível do espectador como um pacto de confiança em compreender as vidas feridas pela guerra.  É esplêndido em cada recriação de época, em cada detalhe dramatúrgico, em cada emoção das protagonistas. É brutalmente intenso, visualmente atemporal, delicadamente poético em toda sua densidade dramática.




Vencedor do Prêmio de Melhor Direção e do Prêmio da Crítica na Mostra Un Certain Regard do Festival de Cannes e integrante de várias seleções internacionais em outros festivais, o longa apresenta uma equipe bastante jovem e competente, com destaque para o diretor (28 anos), a diretora de fotografia Ksenia Sereda (25 anos) e respectivamente as talentosas atrizes Viktoria Miroshnichenko e Vasilisa Perelygina, 25 e 23 anos. O filme  conta com produtores de excelente envergadura para dramas independentes marcantes como Alexander Rodnyansky e Sergey Melkumov do excepcional Leviatã do premiado diretor Andrey Zvyagintsev.


A história é ambientada em Leningrado (atual São Petersburgo)  em 1945 em um pós - guerra com suas ruínas e vidas brutalmente dilaceradas. A cidade é uma sobrevivente em um dos cercos da Segunda Guerra Mundial e está destruída assim como estes habitantes que a muito custo psicológico e nenhum apoio econômico e político precisam recolher os destroços emocionais, físicos e materiais e seguir seus destinos com alguma esperança. O enfoque em duas heroínas, as amigas Yva Sergueeva (a mulher alta, interpretada por Viktoria Miroshnichenko) e Masha (Vasilisa Perelygina) expõe uma precisa dicotomia para o roteiro e sua execução - delicadeza e crueldade - como as mulheres foram violentadas (e ainda precisam lidar com esta  violência)  no dia a dia.  Ainda que universal como drama de pós - guerra, Uma Mulher Alta é um drama grandiosamente feminino e se estabelece como um filme que traz uma perspectiva narrativa bem rara no Cinema Contemporâneo.




Yva tem um filho, Paschka (Timofey Glazkov) e trabalha em um hospital de guerra ajudando a cuidar dos soldados feridos. Após ser dispensada da linha de frente por causa de um trauma, ela retorna ao papel de muitas mulheres da época, a cuidadora de enfermos.  De presença discreta, apesar da altura, como personagem, ela tem um desenvolvimento notório e crítico para o exito da narrativa: é uma mulher alta, porém frágil , sem jeito e facilmente influenciada por Masha, sua amiga. 



É uma jovem bastante leal a quem ama mas também bastante solitária, sem chão, sonhos e referências, evidências que demonstram uma brutal vulnerabilidade. Mais adiante, o espectador compreende os reais motivos desta construção da personagem, assim, ela tem um  protagonismo peculiar, uma personagem única, solidária,  misteriosa, complexa, e em reconstrução de sua identidade, podendo realizar ações cruéis, frias e corajosas a mando de outras pessoas ou por escolhas pessoais. Estas contradições entre fragilidade e violência tornam Yva uma personagem singular que ressalta o drama destas vidas feridas. 






A singularidade de Yva dá título internacional ao filme: "Beanpole". Neste caso, se refere aos seus atributos físicos e como ela interage com o ambiente e com as pessoas. Em diferentes cenas, ela provoca um estranhamento não apenas pela altura, mas porque ela é desajeitada e reprimida, ela é como um corpo que ainda está tentando se conhecer e se encaixar à realidade do cotidiano, às emoções e desejos que mantem ocultos em seu interior. É uma personagem feminina que desperta a curiosidade e a ser observada nas entrelinhas, incluindo seus desejos reprimidos pela guerra. Yva é uma mulher bem crescida, porém sua sensualidade (e sexualidade) estão em amadurecimento, um desabrochar que apenas ela poderá explorar pouco a pouco. Por conta desse aspecto, o roteiro se torna interessantíssimo a partir da metade da projeção. 






Masha traz uma outra perspectiva de heroína do pós - guerra. É uma mulher de beleza refrescante e exuberante que combina a garota que perdeu a juventude com a mulher que estava à disposição dos homens e seus prazeres na frente da batalha. Embora seja mais perturbada, abusiva e manipuladora em suas atitudes, principalmente com Yva, ela também é expansiva, esperançosa e  enriquece a narrativa com outras dimensões do ser mulher: a maternidade, o desejo e o sexo, o casamento, a prostituição, a amizade feminina, o trabalho. 



É muito bem interpretada por Vasilisa Perelygina com uma atuação cheia de complexidades que mostra dolorosamente os destroços da destruição da alma feminina durante a guerra. Em uma das melhores cenas,  quando ela vai visitar os pais do namorado, sua alma se desnuda em traumas incuráveis, dilacerantes. Ela é a expressão de como as mulheres foram humilhadas em sua auto-estima e têm que enfrentar os obstáculos relacionados também ao gênero e preconceitos de natureza social, principalmente em ambientes familiares tradicionais como seu envolvimento com um jovem de outra classe social. Ainda que crente no amor e na esperança, Masha continua sofrendo as consequências de ter sido uma mulher da guerra a servir homens; ela encarna as mulheres endurecidas por seus corpos violentados de diferentes formas, por se venderem por um prato de comida, um par de calçados, pela sobrevivência. 





A linguagem cinematográfica empregada enfatiza a densidade dramática e realça  essas nuances complexas dos personagens e da dinâmica do ambiente, apoiada por um apurado trabalho fotográfico, impecavelmente em sintonia com a direção de arte e a palheta de cores específica com uso de cores vivas e recorrentes como verde e vermelho. A disciplina estética de Kantemir Balagov é extraordinária na composição de variados planos que são como pinturas de épocas de uma Leningrado marcada no tempo com suas cicatrizes. Essa grandiosa estética valoriza a recriação de época e ressalta as polaridades entre a natureza humana destruída pela guerra e as cores marcantes que permanecem como a beleza da vida a ser reconstruída. 



É um filme raro que tem potência de se consagrar como obra prima e é um dos melhores do ano com forte competitividade para ser vencedor na categoria de melhor filme internacional no Oscar 2020. Além de sua execução polida e impecável,  explora palavras, gestos, olhares, sentimentos de forma a dar ao espectador o benefício de explorar os dramas do pós - guerra sob uma perspectiva que não é vista muito nos cinemas: os pontos de vista das mulheres e seus conflitos, dúvidas,feridas, inseguranças etc.   O espectador tem que se conectar emocionalmente com cada nuance, seja nos excepcionais personagens, atuações, cenários, seja em estabelecer uma compreensão de que se trata de um verdadeiro drama das mulheres da guerra. 





Esta empatia pelo Feminino no roteiro potencializa a dolorosa jornada por esta cruel realidade do pós guerra e do sofrimento que ainda permanece na reconstrução de vidas.  Neste longa,  é notório (e lindo de ver) como o diretor Kantemir Balagov é um talento nato do Cinema Russo, bastante disciplinado e sensível e com uma parceria diferenciada  com a DOP Ksenia Sereda.  Ele apresenta sua doação integral a um filme inesquecível que conta uma história sobre destino, sobrevivência e segunda chance. 


A câmera adentra o psicológico destas protagonistas com delicadeza e sinceridade, testemunhando tragédias que permanecem interagindo com um pouco de esperança. Elas estão aprendendo a ser, a viver, a pertencer.  A guerra tirou-lhes a juventude, o regozijo, o amor,  o que é perceptível em variadas cenas, entre elas, uma das mais dolorosas é quando Masha  experimenta um vestido. Parece um acontecimento cotidiano, porém é bem significativo. O espectador poderá perceber o sentido dramático deste momento.  Em uma de suas declarações,  o cineasta diz: " o que aconteceria com uma mulher depois que a guerra terminasse, quando houvesse uma mudança tectônica em sua mente e em sua natureza uma violação de sua natureza que obviamente ocorreria depois?"



O diretor teve uma precisa visão artística de como os elementos da linguagem cinematográfica poderiam ser articulados de forma a expressar como estas mulheres se sentiam e o que elas tinham a revelar.  Ele não utiliza estes recursos cinematográficos para fazer um filme bonito e premiado em festivais, mas a beleza de sua orquestração está em permitir que estes elementos trabalhem a favor das protagonistas, explorando suas condições e sentimentos e deixando no ar as reflexões e incertezas que serão levadas para os pensamentos e emoções do público. Uma Mulher Alta é grandiosamente lindo e devastador, um filme que permanece após os créditos finais. Memorável e único.




Estreia nos cinemas São Paulo, 12 de Dezembro. Rio de Janeiro, 19 de Dezembro. Verifique programação dos cinemas. Uma distribuição Supo Mungam Films 







Fotos e citação do diretor:  uma cortesia por Supo Mungam Films - distribuidora do filme

2 comentários:

Caro (a) leitor(a)

Obrigada pelo seu interesse em comentar no MaDame Lumiére. Sua participação é muito importante para trocarmos percepções e opiniões sobre a fascinante Sétima Arte.

Madame Lumière é um blog engajado e democrático, logo você é livre para elogiar ou criticar o filme assim como qualquer comentário dentro do assunto cinema e audiovisual.

No entanto, não serão aprovadas mensagens que insultem, difamem ou desrespeitem a autora do blog assim como qualquer ataque pessoal ofensivo a leitores do blog e suas opiniões. Também não serão aceitos comentários com propósitos propagandistas, obscenos, persecutórios, racistas, etc.

Caso não concorde com a opinião cinéfila de alguém, saiba como respondê-la educadamente, de forma a todos aprenderem juntos com esta magnífica arte. Opiniões distintas são bem vindas e enriquecem a discussão.

Saudações cinéfilas,

Cristiane Costa, MaDame Lumière

Por  Cristiane Costa ,  Editora e blogueira crítica de Cinema, e specialista em Comunicação Mente Perversa , tradução livre adotad...

Mente Perversa (Kopfplatzen / Head Burst, 2019)




Por Cristiane Costa,  Editora e blogueira crítica de Cinema, especialista em Comunicação


Mente Perversa, tradução livre adotada no recente longa-metragem com o ator Max Riemelt como protagonista, é melhor compreendido através de seu título original "Kopfplatzen", que significa "explosão da cabeça" em alemão. Ao observar como a pedofilia, controverso tema do filme, é desenvolvido pelo roteirista e diretor Savas Ceviz, o espectador tem diante de si um material pesado e realista que provoca um mal estar incontrolável: o pedófilo está com a mente no limite da explosão, ou seja, a qualquer momento ele pode cometer o crime de abuso sexual de crianças. 


Este mal estar é contínuo ao longo da narrativa, colocando o público a acompanhar a repulsa, o desejo, a culpa e o sofrimento do protagonista. Como consequência, o espectador presencia outra dimensão do "Kopfplatzen", o do medo e da tensão de ter que testemunhar o pedófilo em ação.





É um filme difícil de assistir e que exige um distanciamento do espectador com relação ao protagonista que, em outro contexto cinematográfico, teria de tudo para seduzir a plateia.  O diretor escolheu muito bem Max Riemelt, um ator experiente em obras e/ou papéis provocativos (Sense8, Queda livre, A Síndrome de Berlim, A Onda). Ele tem uma beleza física generosa, jovem, corpo atlético, sedutor. Sua aparência mistura dois elementos interessantes: uma combinação de jovem garoto de família Alemã com um homem misterioso, bonito e esteticamente impecável no estilo, principalmente neste papel no qual ele desempenha um arquiteto bem sucedido, que mora em um apartamento moderno e gosta de frequentar a academia. 



Este desenvolvimento do personagem é totalmente proposital no roteiro de Savas Ceviz. Embora a narrativa toma um caminho diferente ao colocar um ator tão boa pinta como pedófilo, na verdade, isso faz todo o sentido e implica dizer muito mais ao público: a de que a pedofilia está no cotidiano e em diferentes classes sociais, tipos de famílias e pessoas; ela não escolhe raça, religião, status etc



A escolha por este tipo de personagem oferece uma outra leitura ao público, pois vivemos em uma sociedade de aparências que, por tradição, cultura e comportamento padrão, carrega uma carga forte de preconceitos de variadas naturezas. Neste sentido, no imaginário coletivo, é bem provável que aquele homem loiro, bonito, endinheirado e bem sucedido como Max Riemelt não seja um pedófilo, mas ele pode enganar a muitos e ser um,  assim como qualquer pessoa que pareça "do bem" ou "improvável". Assim, é preciso que o espectador esteja ciente de que os frequentes casos de crime sexual, homicídio e violência doméstica contra crianças são cometidos por familiares e/ou pessoas próximas da família; são cometidos por pessoas que não pareciam ser um risco às crianças, inclusive que deveriam protegê-las.





O drama da pedofilia é apresentado logo de início e provoca bastante desconforto. Markus (Max Riemelt) aparece se masturbando com imagens de crianças, com isso, olhá-lo causa repugnância mas também um forte choque de realidade com o ambiente organizado plano a plano : como este homem gosta de crianças de forma a desejá-las? Como um homem que poderia ter um(a) namorado (a) adulta (o), desejá-lo (a) e amá-lo (a) está sozinho em casa, olhando imagens de menores, sentindo prazer e culpa? Como este homem adotou uma rotina e rituais próprios de forma a ter o seu "momento sexual" com imagens de crianças?  Resta ao espectador sentir nojo deste personagem, rejeitá-lo muito instantaneamente a cada vez que ele se aproxima de alguma criança ou adota hábitos caseiros estranhos com relação a este desejo.



À medida que o roteiro tem seus desdobramentos, percebe-se que o diretor não tem muito o que alterar nos fatos, apenas mostrar toda a complexidade de um transtorno incurável. Continuamente ele mostra o dia a dia de Markus e a tensão de que o crime poderá acontecer de uma hora para outra. O espectador não tem como saber, apenas acompanha. É praticamente uma tortura psicológica filmada com uma estética impecável sob o ponto de vista da organização do ambiente e do cotidiano deste personagem. Markus tem uma rotina: gosta de manter a boa forma, tem um isolamento corriqueiro em seu apartamento limpo e de decoração minimalista,  recusa convites para sair e evita relacionamento com mulheres.



Mais adiante, a narrativa ganha um corpo mais incomodo  e intensifica o drama, aproximando o pedófilo do dia a dia de uma criança em específico, como uma potencial vítima. É uma escolha crível sob a perspectiva de roteiro,  considerando que os pedófilos não conseguem se controlar e, em algum momento, vão manter uma relação próxima a uma criança, normalmente alguém que ele tem convívio social ou lhe agrada à distância. Para expressar os riscos de um abuso de menor, o roteiro evolui ao compor um núcleo familiar que interage com Markus. Ele conhece a vizinha, interpretada por Isabell Gerschke, mãe solteira que vive com o filho Arthur (Oskar Netzel).  Markus desenvolve afetos pelo menino, além de namorar a mãe do garoto. Eles admiram Markus como uma figura paterna que lhes dá segurança, entretanto, ele representa um risco que ninguém conseguiria mitigar.


Esta aproximação de Markus deixa a família em potencial vulnerabilidade, mas só o espectador e Markus sabem, com isso, a narrativa confronta as dimensões de confiança e afeto x risco de abuso. Várias cenas são perturbadoras através de sutilezas, como por exemplo:  a namorada estranha a dificuldade de Markus  em continuar a transa com ela e  atingir o gozo;  Arthur fica sozinho com ele, misturando momentos de afeto e boa convivência com a figura paterna e que entram em choque com a imaginação e os desejos do pedófilo.


Apesar de ser um excelente filme, Mente Perversa mostra o quanto a pedofilia é doentia, logo, exige muita paciência e estômago do espectador para assisti-lo até o desfecho. O diretor realiza um trabalho bem profissional considerando que é muito difícil filmar um pedófilo em iminente ataque, gerando uma insegurança generalizada para a criança e a mãe em cena, fazendo o público  acompanhar a turbulência de sua repugnante doença. Por outro lado, o diretor não propõe nada novo, simplesmente expõe o drama como algo incurável, e o público não tem muito o que fazer porque é impossível gostar de um pedófilo. Por mais que Markus tenha consciência do desejo e busca ajuda psicológica, é complicado ter alguma empatia por ele.






O maior mérito do longa  é Max Riemelt  e sua experiência em papéis polêmicos. Ele dá conta do isolamento e culpa do personagem. Ele faz tudo isso de uma forma bem "transparente", o que provoca estranhamento com o lado "sujo" do pedófilo já que, ao interagir no dia a dia com a namorada e Arthur, ele mostra o lado paterno e afetuoso.  É igualmente um papel difícil que ele consegue equilibrar o caos da pedofilia e o equilíbrio que a narrativa também conserva nos outros elementos  cênicos, dramatúrgicos.  Toda essa combinação é estranha e incomoda, porém efetiva como história.


Evidências de comportamento pedófilo são variadas ao longo da decupagem em uma direção que o cineasta utilizou bem os recursos fotográficos, estéticos, colocando Markus como frequentador de piscinas e um fotógrafo que também tira as fotos das crianças, enfocando a pele dos menores e todo o frescor da infância. Ele tem tanto desejo pelas crianças que sua fotografia chega a um nível estético de obsessão e adoração, assim, fica mais indigesto ver seu transtorno. No geral, a intenção do protagonista, continuamente voyeurista, transforma o filme em uma tortura para ele e para o público. Como toda certeza, uma "Kopfplatzen" difícil de esquecer após a sessão e que deve ser assistida quando o espectador estiver no clima para ver filmes pesados.







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Por  Cristiane Costa ,  Editora e blogueira crítica de Cinema, e specialista em Comunicação Em comemoração aos 30 anos da distribu...

Feliz Aniversário (Fête de Famille, 2019)



Por Cristiane Costa,  Editora e blogueira crítica de Cinema, especialista em Comunicação



Em comemoração aos 30 anos da distribuidora Imovision, uma das mais importantes no mercado audiovisual, o ator e diretor Francês Cédric Kahn foi um dos convidados e homenageados com a exibição de seu mais recente longa, Feliz Aniversário (Fête de Famille, 2019), filme coral de inspiração autobiográfica no qual o realizador coloca a visão sobre sua família. Com estreia nesta semana no Brasil, o filme conta com um elenco competente  Catherine Deneuve, Emmanuelle Bercot, Vincent Macaigne, Luàna Bajrami e o próprio diretor. A escolha por esta obra para o aniversário da Imovision é bem adequada pois reflete o engajamento e DNA da distribuidora em promover o Cinema independente autoral continuamente com filmes únicos e temáticas contemporâneas.





Feliz Aniversário é aquele tipo de filme cômico - dramático que muitas pessoas poderão se reconhecer nele a partir da  perspectiva de que todas as famílias, em menor ou maior grau, tem um nível de disfuncionalidade. Em um momento, todos estão rindo e aplaudindo uns aos outros, em outro momento, conflitos com desabafos, gritos e choros são manifestados, mudam a dinâmica do ambiente e das relações, além dos silêncios e sentimentos ocultos que agravam mais situações mal resolvidas. O roteiro e execução da obra são bem Franceses e o diretor assum que seu longa é tradicional, entretanto, trata-se de uma história que traz a universalidade das relações  familiares, considerando que não escolhemos quem somos família, temos que lidar com diferentes sujeitos com histórias, personalidades, temperamentos e crenças limitantes variadas.




Banner com cartaz do filme no Reserva Cultural em São Paulo.






Jean Thomas Bernardini, dono do Reserva Cultural e da Imovision, recebe o ator e diretor Cédric Kahn durante a Festa de 30 anos Imovision em São Paulo, realizada em 01 de Dezembro







Cédric Kahn falando para o público na exibição de seu filme na Festa de 30 anos Imovision

"foi preciso um percurso de 30 anos fazendo filmes para que ele ousasse se aproximar do filme retratando a própria família"


Inspirado pelo excepcional Festa de Família  (Festen, 1998) de Thomas Vinterberg, o filme número 1 do movimento Dogma 95, e também  pela direção de John Cassavettes, o pai do Cinema Independente, Cédric Kahn realiza uma boa articulação dos elementos subjetivos, físicos e técnicos para apresentar essa família Francesa que não se reconhece em seus problemas e comportamentos tóxicos. A história começa no aniversário da matriarca Andréa (Catherine Deneuve) na casa de campo. Não se trata de uma família burguesa abastada, mas mediana e falida, com a casa em ruínas, com dívidas e sem dinheiro. É uma família que não faz absolutamente nada para mudar essa situação, que não compartilha conquistas e nem planos, que explode em mentiras e verdades. A decisão por um filme coral foi bem pertinente para explorar as várias pessoas em cena com sutilezas, principalmente a intempestiva atuação de Emmanuelle Bercot como Claire, a filha que retorna dos Estados Unidos e apresenta intensos episódios de transtorno bipolar.





O propósito do diretor não foi explorar nenhum transtorno psiquiátrico, ainda que a personagem de Bercot seja mais "protagonista" e responsável pelas cenas mais emocionalmente vulneráveis e impactantes. Suas relações são imprevisíveis,  dinâmicas e autênticas, o que a torna um chamariz para o êxito do argumento e valoriza o estilo da atriz, que funciona bem em papéis que exteriorizam conflitos pessoais complexos. Na verdade, Cédric Kahn quis muito mais colocar o ponto de vista como ele enxerga sua família, neste sentido, entre uma das principais virtudes da direção está estabelecer um texto bem claro aos atores, dando-lhes também a liberdade de contribuir com os conflitos e questões comuns a qualquer indíviduo como a falta de dinheiro e de trabalho, as dúvidas e inseguranças sobre a carreira e casamento, a relação com o fracasso e o sucesso, a culpa, perdas e ausências, a maternidade, a doença e a morte. O diretor também traz a hipocrisia da sociedade no contato com negros, imigrantes e mulheres (de fora da família).




Com todos esses elementos, mesmo que seja um filme bastante autoral,  a direção e o roteiro dão conta de expor determinados conflitos que valem a pena ser ressaltados sob a perspectiva universal das relações humanas, como por exemplo:


A postura da matriarca (Catherine Deneuve) diante das brigas em pleno seu aniversário. Ela é aquela mãe, como muitas mães por aí, que evitam o confronto e "empurram a sujeira para baixo do tapete". É interessante notar que a atriz , como sempre sublime, mantém essa postura de forma impecável, elegante e acolhedora,  o que não significa que ela não sofra em silêncio e/ou esteja cansada dessa família, principalmente com tantas confusões em seu aniversário, o que não deixa de ser um desrepeito à sua pessoa.  


Outro personagem divertido, porém totalmente instável, perdido e fracassado é o de Vincent Macaigne. Ele traz  relações metalinguísticas para a obra que são relevantes para compreender a dinâmica em cena e as escolhas do diretor. Ao inserir a câmera em diferentes planos, ele é o aspirante à cineasta que, não sabe ao certo se tem essa aptidão e nem o que faz,  nem mesmo a família o considera um artista e/ou um visionário do audiovisual. Sua família ri na sua cara na mesa de jantar, e nem mesmo a namorada leva a sério uma menção a um potencial casamento, dessa forma, ele é uma piada que ajuda o público a (re)pensar a relação com a arte e com o fracasso. A surpresa é que ele não é tão divertido como parece, considerando que há alguns segredos e mentiras nessa história.






Cabe a Cédric Kahn o papel mais conservador, mas igualmente relevante. É aquele irmão um pouco melhor sucedido. Casado e com dois belos filhos pequenos, educados e amorosos. Ele representa o homem que, aos olhos da sociedade, é o estável, o responsável e o controlador da família, porém isso também é uma crítica ácida, já que ele e sua esposa não se tratam de forma apaixonada, não dialogam muito e quase não se olham como cúmplices e amantes; inclusive ela, representada pela atriz  Laetitia Colombani, também não recebe o devido respeito da família em cena.  O efeito de sua atuação coadjuvante é de dar pena da esposa, realmente uma mulher sem espaço expressivo mesmo já casada há anos.


A rainha do elenco é Emmanuelle Bercot, uma das melhores atrizes em dramas contemporâneos do Cinema Francês, com destaque para Polissia e Meu Rei, ambos dirigidos po Maïwenn. Está insanamente intensa e foi uma escolha bem acertada por ter um estilo bem visceral e exteriorizado de atuação.  É um personagem incômodo que desperta rejeição e piedade, unindo essas duas pontas de sentimentos. Há cenas que ela está odiável, como cobrar uma dívida familiar na hora da refeição e ofender sua mãe com fúria; em outra ela está dócil e disposta a reverter a relação problemática com a filha (Luàna Bajrami). Além disso, a presença dela traz um elemento de mistério que aos poucos se desdobra na narrativa. O espectador não sabe porque ela voltou dos EUA e o que aconteceu lá, o que ajuda a despertar o interesse por essa mulher e seus dramas.






Trata-se de um bom recorte narrativo para explorar as contradições familiares e os picos temperamentais e emocionais dos vários personagens que a compõem, assim, tem um efeito reflexivo que possibilita compreender porque a família é tão necessária, e também, desnecessária, por mais duro que seja ressignificar constantemente os afetos que realmente unem pessoas como pais, filhos, irmãos, e parentes em geral. Assim como amamos nossos familiares, eles tambêm são as pessoas mais capazes de despertar certos episódios de raiva, humilhação, culpa, fracasso e mágoas. 


Nesse aspecto, Festa  de aniversário é um microcosmo de uma visão sobre família que se encaixa perfeitamente bem à realidade de muitas. É um aniversário turbulento no qual não há nada a celebrar na superfície e na profundidade dramáticas das discussões, mas que  é possível rir e se divertir do quão humanos e vulneráveis somos no núcleo familiar ; ao mesmo tempo, tem momentos de calmaria que não deixam de atravessar críticas e um humor sarcástico a famílias disfuncionais que não se enxergam como também nocivas. Essa contradição faz parte da vida. Sempre o fará até mesmo nas "melhores famílias".








Fotos  Festa 30 anos  Imovision 01/12/2019 , por MaDame Lumiére
Citação do diretor. Em coletiva para convidados e público da Festa.
Fotos do filme, uma cortesia Imovision.


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Cicatrizes (Stitches/ Šavovi, 2019)



Por Cristiane Costa,  Editora e blogueira crítica de Cinema, especialista em Comunicação


Exibido na 43ª Mostra de Cinema de São Paulo e indicado a significativos awards como o prêmio da audiência do Festival de Berlim e o Golden Eye do Festival de Zurique, Cicatrizes (Stitches, 2019) é um daqueles filmes contemporâneos imperdíveis que incomodam pela temática e pelo realismo das atuações e direção. Realizado pelo jovem cineasta sérvio, Miroslav Terzic, com roteiro de Elma Tataragic, o longa tem como destaque a primorosa atuação de Snezana Bogdanovic como uma mãe em busca do filho roubado em uma maternidade há 18 anos atrás.

Para quem aprecia direções que são indicadas ao Câmera de Ouro do Festival de Cannes, certamente irá apreciar esse filme. Ele tem um frescor e naturalidade que se aproximam a novos olhares de direção, problemas sociais e complexidades humanas. A construção da narrativa se dá aos poucos, servindo-se do próprio material humano ao longo da minutagem. A direção de Miroslav Terzic se ocupa em deixar o drama fluir com a realidade angustiante, mas também não se afasta da intencionalidade do roteiro e das atuações realistas, de pessoas reais do cotidiano e de bons atores que dão corpo e densidade ao drama.






Ambientado em Belgrado, capital da Sérvia, o diretor é inspirado por fatos que são comuns em um país que ainda se confronta com os paradigmas da destruição e reconstrução da nação. Em parte do roteiro, é perceptível a destruição moral de quem naturaliza ter feito (e fazer) o mal aos outros, por exemplo, a médica e o policial corruptos, moralmente degradantes. Muitos diretores nascidos em países europeus destruídos por conflitos buscam o Cinema como cenário para tratar questões sociais, políticas, econômicas etc, é como retornar à esta reflexão crítica e apontar como a história de um país afeta diretamente os sujeitos e o coletivo.


Ao assistir ao longa, deve ser considerado o contexto de 18 anos atrás. O que estava acontecendo em Belgrado naquela época? O país já tinha uma história de corrupção política que diretamente afetou as instituições do Estado. Como consequência, em um contexto de caos, destruição e feridas, há pessoas que optam por ser corruptas e ganhar dinheiro por vias ilegais, e logo, podem vir a vender os filhos dos outros. Cicatrizes é um filme de denúncia que como outros foi bem realizado para não nos fazer esquecer da História e seus impactos nas vidas humanas.





O drama de uma mãe, por si só, já é autodestrutivo, porém, nessa história, a espera e a esperança se misturam em emoções visualmente complexas no Cinema e que permanecem em silêncio e/ou são duramente silenciadas. A todo momento, esta mãe é silenciada porque quase ninguém acredita nela. Sua persistência e obsessão em localizar o filho  são interpretados como loucura, transtorno psiquiátrico, logo ela não é ouvida como merece. Com esses aspectos inerentes ao roteiro, a contemporaneidade do longa está em dialogar com as duras relações do cotidiano que massacram as famílias com filhos roubados, desaparecidos. A máquina burocrática do Estado não é muito diferente do que acontece no Brasil, no qual muitas mães são abandonadas e não conseguem ter a escuta e os mecanismos legais para encontrar seus filhos desaparecidos.






A forma como o roteiro mostra o desaparecimento, a partir do ponto de vista da mãe, também intensifica o drama, a tensão e o suspense. Miroslav Terzic  é influenciado pelo thrillers investigativos do Leste Europeu, ainda consegue manter a faceta autoral de sua direção, e  o protagonismo de Snezana Bogdanovic.  



Ele realiza um recorte apenas 18 anos depois do roubo do bebê, logo, o público é colocado no meio de um contexto no qual não se sabe ao certo o que aconteceu, tornando mais complexo a escolha por acreditar ou não na sanidade da mãe. Por diversas vezes, até mesmo o próprio espectador poderá duvidar dessa mãe, não necessariamente por crueldade e frieza, mas porque a história é tão sofrida, não utiliza flashbacks como recurso narrativo e ela tem um histórico de internação psiquiátrica. O roteiro também facilita alguns desdobramentos que mais parecem milagres e que não serão ditos aqui para evitar spoilers. No geral, por mais que haja um processo de empatia pelo espectador, fica desafiador se colocar no lugar de sofrimento dela. São como cicatrizes que apenas ela pode compreender. São cicatrizes de quase duas décadas.






Snezana Bogdanovic como uma mãe em busca do filho roubado é uma atriz de primeira grandeza. Ela não faz nada de excepcional, e mesmo assim, ela permanece como uma personagem bastante humilde e realista, centrada na investigação pessoal,  dramaticamente desolada, mas também capaz de abrir um leve sorriso pela possibilidade de encontrar o filho, de ter coragem em um contexto que coloca ela e sua família em risco. Verdadeiramente,  ela é a única esperança do filme, fato que transforma a atuação de Bogdanovic em um trabalho para poucas atrizes. Apenas uma mãe teria a força e a obstinação dela.










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Por  Cristiane Costa ,  Editora e blogueira crítica de Cinema, e specialista em Comunicação Inspirado pelo best-seller de Robert See...

A Tabacaria (The Tobacconist, 2018)



Por Cristiane Costa,  Editora e blogueira crítica de Cinema, especialista em Comunicação


Inspirado pelo best-seller de Robert Seethaler, A Tabacaria (Der Trafikant/ The Tobacconist, 2018), o realizador Austríaco Nikolaus Leytner adaptou para a tela grande esta obra sobre o amadurecimento de um jovem e as perdas humanas, sejam elas físicas, materiais e afetivas, ocorridas em um período sombrio da História europeia. O longa foi um dos últimos trabalhos do saudoso Bruno Ganz que interpreta brevemente Sigmund Freud; tempo suficiente para apreciar sua crível interpretação, principalmente sob a perspectiva física do famoso mestre da  Psicanálise.





Ambientado em Viena em 1937, a história conta a jornada de vivências e descobertas de Franz Huchel (Simon Morzé), de 17 anos. Ele parte de seu lar bucólico às margens do Lago Attersee e começa a trabalhar em uma Tabacaria. Na capital Austríaca se dão relações de afeto e um amadurecimento intenso, mesmo em meio ao horror com a chegada dos Nazistas. Este contraponto ocorre com os três tipos de relações interpessoais que Franz desenvolve: o trabalho como aprendiz na tabacaria de Otto Trsnjek  (Johannes Krisch) no qual vê uma figura paterna, a paixão por Anezka (Emma Drugonova) e a amizade com Sigmund Freud (Bruno Ganz).



Em um contexto de pré-guerra, o roteiro segue uma linha dramática menos óbvia ao contar  o ponto de vista de Franz. É uma escolha interessante. O jovem traz certa pureza, romantismo e a possibilidade de esperança ao ambiente. Dessa maneira, a guerra não está em primeiro plano, mas está presente com a aproximação das tropas nazistas, trazendo tensão e incerteza, de forma mais contida. Ao mostrar como Franz lida com esses afetos e perdas, partindo em caracterizar um belo, corajoso e esforçado jovem, a história tem a potência de mostrar como a guerra afeta as subjetividades e impõe escolhas difíceis. 








A Tabacaria funciona como um microcosmo dos acontecimentos e emoções. É nela que Franz conhece diversas pessoas, aprende a se expressar, a observar o cotidiano, a defender o que acredita e quem ama. É também, através dela, que cada personagem cumpre um papel para o despertar de Franz. Seu dono,  Otto Trsnjek, é um sobrevivente e um libertário. Com uma deficiente física e vítima de preconceito social, ele dirige um núcleo de resistência e está ali a ensinar o ofício ao jovem e a apresentar-lhe as pessoas da região. Essa figura paterna de Otto pode ser interpretada como a importância e a perda de um pai. Com o avanço do Nazismo, esses pais de outras nacionalidades sofrem perseguição como presas de outras formas de pensar e viver que estavam sendo silenciadas.








Com Anezka, Franz tem o desejo pelas paixões. Ela não é bem o primeiro amor, mas é aquela que desperta o desejo pelo amor, ainda que inconsciente. É através dessa paixão que o jovem começa a conversar com Sigmund Freud sobre os sonhos, fato que possibilita uma brecha para inserir um pouco da interpretação dos sonhos sob a perspectiva Freudiana. Franz descobre o corpo e prazeres femininos com ela, o que os tornam um casal que traz o entretenimento das paixões em vários planos. É também um núcleo narrativo interessante pelo coming of age, e um momento muito marcante considerando como as narrativas afetivas se encontram, se entrelaçam e se separam.





Bruno Ganz é um charme e educação à parte e expressa uma postura bem clássica de Freud. Certamente, pela atuação dele, qualquer pessoa adoraria ter uma amizade com o renomado médico e pesquisador Austríaco. Ele se coloca como um amigo de Franz em uma relação de confiança e humildade. Como se trata de ficção inspirada por fatos reais, infelizmente, uma das lacunas do roteiro foi não explorar melhores cenas com Freud. A passagem dele é tênue, gentil e sem muita profundidade, assim, desfrutar de A Tabacaria é não levar à sala de Cinema ou de TV qualquer expectativa que se trata de um filme Freudiano e nem biográfico sobre Freud. A ideia de amizade não deixa de ser válida ainda que Freud poderia ter tido mais espaço como coadjuvante.  


Sob a análise da decupagem e direção em geral, o diretor realizou um bom trabalho. A direção de arte recria um autêntico microcosmo de época e os planos equilibram os sonhos de Franz, alguns bem construídos com memórias do passado e desejos inconscientes, e outros com a realidade de mulheres, artistas e imigrantes na  Áustria, além de outros horrores do período como a  intolerância, o medo e a miséria.








Filme distribuído pela A2 Filmes, disponível nas plataformas digitais de streaming. 

Fotos: uma cortesia @A2 filmes assessoria de imprensa. 




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