Em toda a narrativa, muito bem construída entre o roteiro, as atuações, a direção de arte e o elemento temporal na montagem, a diretora realiza uma ficção na qual nitidamente ela acredita e é apaixonada. Seu conhecimento e convicção no roteiro e execução acabam por ajudá-la a cuidar dos detalhes que dividem o que é real e o que é imaginário na mente de Claire. Com isso, a transição entre o presente e as experiências e emoções do passado (flashbacks) da protagonista, amigos e família é suave nas mudanças de planos, mas traz um forte elemento dramático, o de reviver fantasmas, demônios, conflitos e frustrações.
Catherine Deneuve e Chiara Mastroianni, mãe e filha na vida real, têm transparência, maturidade e naturalidade nas interpretações de seus personagens, evidência que coopera para tornar a história mais verossímil, ainda que haja recursos fantásticos na história, bem imaginativos, como a presença de personagens secundários que retomam a infância e juventude e podem ser representações das memórias, metáforas, sonhos, divagações. Suas atuações entram verdadeiramente nos personagens e conflitos, especialmente o de Claire. A diretora não escreveu o papel pensando em Catherine Deneuve, entretanto, fez uma escolha correta que catalisa essa aproximação com o personagem e sua excentricidade.
A dinâmica familiar é relevante para faceta dramática da história devido aos conflitos silenciados e mal resolvidos. Muitos dos problemas reais das pessoas estão no campo das relações e, no decorrer dos anos, se tornam problemas patológicos, extremamente dolorosos. Optar por não morrer com o peso dessas histórias é uma decisão pessoal e libertadora, por isso esse personagem é interessante, possibilita conexão empática. Ter uma grande atriz como Catherine Deneuve nesse papel torna o projeto mais crível, tanto que a atriz concordou em deixar os cabelos brancos e contribuir com o desenvolvimento do personagem.
Ela é eternamente elegante e excepcional, tem uma personagem envelhecida, assombrada e extravagante, mas bastante acessível através das dores que viveu na vida, entre elas a perda prematura de um filho e um casamento com momentos turbulentos. Além do mais, a boa atuação de Alice Taglioni como Claire jovem vem a somar, considerando que ela é muito parecida com Deneuve. Tem uma elegância natural, clássica, sublime. Consegue transmitir em cena os comportamentos e emoções que, hoje, espelham o estado de espírito e experiências da Claire mais velha.
Mesmo com suas virtudes técnicas, decerto, A Última Loucura de Claire Darling é um filme que não será fácil para a maioria da audiência. Tem que entrar no seu ritmo e clima para apreciar suas qualidades e reflexões. Pode ecoar melancólico para uns, engraçado para outros, chato demais para outros mais.
Independente das reações, afinal, para isso que o Cinema é uma seara de espírito livre, o filme é um bom híbrido narrativo que coloca o público em uma mansão antiga que parece túmulo, assim, é uma história que mostra fantasmas, relações mal resolvidas, objetos velhos, enfim, carrega toda uma vida que, na maturidade, precisa expurgar alguns demônios. Este percurso é libertador e, como um desapego necessário, todos precisam experienciar essa liberdade e leveza antes de partir para outro plano.
Fotos e falas da diretora (1) e (2) , uma cortesia A2 Filmes
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