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Por  Cristiane Costa ,  Editora e blogueira crítica de Cinema, e specialista em Comunicação Objetos contam histórias e abrem portas...

A Última Loucura de Claire Darling (La dernière folie de Claire Darling, 2019)



Por Cristiane Costa,  Editora e blogueira crítica de Cinema, especialista em Comunicação


Objetos contam histórias e abrem portas para trazer memórias, resoluções e ressignificações em cada ciclo de vida. Com esta relevante observação, A Última Loucura de Claire Darling (La Dernière folie de Claire Darling, 2019),  o mais recente longa-metragem de Julie Bertuccelli (Árvore, 2010) é uma experiência cinematográfica dramática, cômica e reflexiva, exteriorizando na tela com um breve lampejo de 24 horas na vida de uma senhora madura, lembranças, conflitos, decepções e angústias vivenciados no passado.




Baseado no livro Faith Bass Darling's Last Garage Sale, de Lynda Rutledge, o roteiro mescla temas de interesse da diretora como a venda de garagem, items de colecionadores e pessoais, as narrativas e memórias através de objetos, o tempo, a liberdade e a morte.   A história acompanha o primeiro dia de verão de Claire (Catherine Deneuve) em uma pequena vila em Verderonne, quando ela decide colocar os objetos de sua casa à venda, realizando como um mercado de pulgas no gramado da residência. Diante do ocorrido, sua filha Mary (Chiara Mastroianni) retorna à mansão da família após ficar 20 anos distante da mãe.

Muito mais do que a venda de garagem, que é uma situação excêntrica de Claire nesse dia, o filme apresenta uma complexa reflexão sobre a relação entre objetos, memórias, histórias e relacionamentos. Julie Bertuccelli revela essa relação especialmente afetiva e biográfica: "Esses objetos são como uma janela para a história da família delas – são tingidos pela experiência, eles têm corpo e alma" (1).




Esta combinação narrativa tem uma provocação peculiar e significativa partindo da ideia de que, quando Claire envelhece e está certa de que é hora de atravessar a morte, os objetos evidentemente envelhecem com ela, contudo, eles podem continuar vivendo através de outras pessoas, suas vidas e histórias. Desse modo, Claire não é tão louca como parece. Colocar os objetos à venda é uma libertação pessoal, uma oportunidade de fazer as pazes consigo mesma e com os outros antes de morrer. 

Em toda a narrativa, muito bem construída entre o roteiro, as atuações, a direção de arte e o elemento temporal na montagem, a diretora realiza uma ficção na qual nitidamente ela acredita e é apaixonada.  Seu conhecimento e convicção no roteiro e execução acabam por ajudá-la a cuidar dos detalhes que dividem o que é real e o que é imaginário na mente de Claire. Com isso, a transição entre o presente e as experiências e emoções do passado (flashbacks) da protagonista, amigos e família é suave nas mudanças de planos, mas  traz um forte elemento dramático, o de reviver fantasmas, demônios, conflitos e frustrações.




Catherine Deneuve e Chiara Mastroianni, mãe e filha na vida real, têm transparência, maturidade e naturalidade nas interpretações de seus personagens, evidência que coopera para tornar a história mais  verossímil, ainda que haja recursos fantásticos na história, bem imaginativos, como a presença de  personagens secundários que retomam a infância e juventude e podem ser representações das memórias, metáforas, sonhos, divagações. Suas atuações entram verdadeiramente nos personagens e conflitos, especialmente o de Claire. A diretora não escreveu o papel pensando em Catherine Deneuve, entretanto, fez uma escolha correta que catalisa essa aproximação com o personagem e sua excentricidade.

Ela estava muito envolvida, inventando ideias sem ser intrusiva, interessando-se pelo filme como um todo, não apenas por seu próprio papel. Uma atriz de tal inteligência, com tanta experiência no cinema, é um verdadeiro presente. Eu amo a silhueta dela, que é ao mesmo tempo totalmente ela e a perfeita encarnação de Claire Darling. Saber que ela está vivendo seu último dia dá a essa mulher uma explosão de energia e uma malícia alegre. Você realmente não sabe se ela perdeu a cabeça ou se está apenas fingindo. Catherine é ótima em expressar essa complexidade, aquele estado intermediário. (Julie Bertuccelli sobre Catherine Deneuve, (2))

A dinâmica familiar é relevante para  faceta dramática da história devido aos conflitos silenciados e mal resolvidos. Muitos dos problemas reais das pessoas estão no campo das relações e, no decorrer dos anos, se tornam problemas patológicos, extremamente dolorosos. Optar por não morrer com o peso dessas histórias é uma decisão pessoal e libertadora, por isso esse personagem é interessante, possibilita conexão empática.  Ter uma grande atriz como Catherine Deneuve nesse papel torna o projeto mais crível, tanto que a atriz concordou em deixar os cabelos brancos e contribuir com o desenvolvimento do personagem. 



Ela é eternamente elegante e excepcional, tem uma personagem envelhecida, assombrada e extravagante, mas bastante acessível através das dores que viveu na vida, entre elas a perda prematura de um filho e um casamento com momentos turbulentos.  Além do mais, a boa atuação de Alice Taglioni como Claire jovem vem a somar, considerando que ela é muito parecida com Deneuve. Tem uma elegância natural, clássica, sublime. Consegue transmitir em cena os comportamentos e emoções que, hoje, espelham o estado de espírito e experiências da Claire mais velha.




Mesmo com suas virtudes técnicas, decerto, A Última Loucura de Claire Darling  é um filme que não será fácil para a maioria da audiência. Tem que entrar no seu ritmo e clima para apreciar suas qualidades e reflexões.  Pode ecoar melancólico para uns, engraçado para outros, chato demais para outros mais.

Independente das reações, afinal, para isso que o Cinema é uma seara de espírito livre, o filme é um bom híbrido narrativo que coloca o público em uma mansão antiga que parece túmulo, assim, é uma história que mostra fantasmas, relações mal resolvidas, objetos velhos, enfim, carrega toda uma vida que, na maturidade, precisa expurgar alguns demônios. Este percurso é libertador e, como um desapego necessário, todos precisam experienciar essa liberdade e leveza antes de partir para outro plano.




(3,5)



Fotos e falas da diretora (1) e (2) , uma cortesia A2 Filmes

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