[Crítica]
Por Cristiane Costa, blogueira crítica de Cinema e especialista em Comunicação.
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Guerra Fria (Cold War, 2018), novo filme de Pawel Pawlikowski, é uma contemplativa jornada de amor e guerra. Protagonizado por Joanna Kulig e Tomasz Kot, respectivamente como o casal Zula e Wiktor, a história retrata o contexto da guerra fria na década de 50, como pano de fundo, para narrar as idas e voltas de um amor impossível. No seu desenvolvimento, o filme aborda muito mais as diferenças de personalidades, temperamentos e atitudes entre eles do que propriamente um elaborado roteiro de drama de guerra.
Cineasta (re)conhecido pelo belíssimo trabalho de direção e roteiro em IDA (2013), longa ganhador de melhor filme estrangeiro no Oscar 2015, Pawlikowski é um diretor bastante atraente no quesito direção e cinematografia em preto e branco; tanto que, Guerra fria venceu como melhor direção no Festival de Cannes 2018. Suas escolhas de decupagem, em retratar fragmentos de uma Polônia ainda ressentida e machucada pelos dramas de guerra que afetam as individualidades, é de uma beleza ímpar.
Neste filme, o cineasta se arriscou em roteiro e favoreceu a potência de sua direção. A câmera sofisticada em várias nuances e o apurado expertise fotográfico em enquadrar planos de uma magnitude temporal que transporta o público para outra época fazem a diferença e tornam as lacunas de esvaziamento narrativo dignas de perdão. Assim, sob a perspectiva de roteiro, em decorrência de uma passagem cronológica e espacial não tão bem trabalhada, que se desloca entre Polônia, Berlim, antiga Iugoslávia e Paris com pouco desenvolvimento entre o contexto social de guerra e a relação entre os dois, a história perde oportunidades de aperfeiçoar esses conflitos.
O que fascina neste cineasta é a notoriedade, sensibilidade e bom gosto da sua direção. Ele teria várias maneiras diferentes de executar determinadas cenas das formas mais comuns possíveis, entretanto, estamos diante de um grande cineasta Polonês, que tem uma marca identitária bem vísivel na parceria com o diretor de fotografia Lukasz Zal. Neste aspecto, é essencial contemplar o seu cinema valorizando a maneira como ele posiciona a câmera e desenvolve o olhar sobre lugares, pessoas e emoções nem sempre ditas.
Entre os bons momentos da cinematografia, por exemplo, além do belo desfecho que costuma deixar uma reflexão em aberto, há momentos de apurado senso cinematográfico como ver Joanna Kulig dançando um clássico rockabilly com vários homens em um bar em Paris. A forma como ela rodopia loucamente pela pista, com uma câmera em sintonia com sua energia, é uma daquelas cenas que reforçam a importância de um bom cineasta.
As cenas inicias mais focadas na tradição folk misturam as dinâmicas do teatro e dança bem coreografada com a música da região. Elas representam um ponto alto do filme, em especial, porque a música e suas letras se fundem com os sentimentos dos personagens e as realidades vivenciadas com a pátria e com o amor. Mais adiante, é possível observar como a relação com a música vai se tornando algo mais propagandista e afetada por uma guerra de interesses e distanciamento. A música genuinamente sentimental e parte da carreira dos protagonistas vai se afastando desse romance e já não tem mais o mesmo vigor. Junto com outros elementos da narrativa, essas mudanças mostram perdas, dores e conflitos que desafiam o romance.
Com isso, Guerra fria é muito contemplativo na observação da relação afetiva que sofre com a passagem do tempo e a incomunicabilidade entre o casal. O cinema de Pawlikowski facilita esse processo pois, como já dito, ele sabe como criar planos de expressiva sensibilidade que possibilitam ao público se entregar a essa intimidade do amor , dos encontros e desencontros e das escolhas que atingem seus personagens dramáticos.
Neste sentido, o diretor realiza um filme bastante intimista, fluído em sua proposta, sem preocupações de entrelaça-lo demasiado com o contexto social e um roteiro muito aprofundado. Ainda que a história traga elementos comuns ao drama de guerra da época como a propaganda política, o exílio, a suspeita, a separação abrupta, entre outros, o que está marcado na história é esse louco amor que esquenta um ambiente tão frio como uma guerra mas que também tem o seu esfriamento na relação.
Além da direção, de igual forma, a escolha do casal de atores vem a somar à qualidade do longa. Os componentes da beleza do amor e da química passional estão visualmente atrativos para o cinema, por isso o filme tem seus encantos românticos. Joanna Kulig encarna a beleza estonteante da mulher cheia de vida e de espírito livre, mas também uma mulher que ama muito um homem, é amada reciprocamente e ambos têm suas vidas ligadas acima de todas as dificuldades.
Guerra Fria é um filme sobre um amor que atravessa os tempos difíceis. É sobre uma relação afetiva que nem sempre se comunica bem, mas que se mantém leal. É sobre um amor impossível que muitos gostariam de vivenciar como possível.
Fotos uma cortesia Mostra SP 2018
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