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Por  Cristiane Costa ,  Editora e blogueira crítica de Cinema, e specialista em Comunicação O recém lançado filme de Sally...

A Festa (The Party, 2017)




Por Cristiane Costa,  Editora e blogueira crítica de Cinema, especialista em Comunicação



O recém lançado filme de Sally PotterA Festa (The party, 2017) é uma moderna e deliciosa tragicomédia dos relacionamentos humanos que, em uma situação de confronto em um ambiente fechado, explode  como uma bomba de revelações, frustrações, desilusões e toda uma onda de ressentimentos, agressões e palavras ditas e não ditas. É um campo restrito a amigos que começa diplomático e entra em colapso com uma sofisticação impressionante. Estes filmes com festas familiares e pessoas íntimas costumam ser um campo de batalha, o que torna a experiência mais dramática e cômica.






Cada diálogo tem um sabor especial, entre o amargo e agridoce, conduzido com uma sólida experiência da cineasta na direção de atores que, para este trabalho, conta com uma equipe espetacular de atores: Kristin Scott Thomas, Timothy Spall, Patricia Clarkson, Bruno Ganz, Cherry Jones, Emily Mortimer, Cillian  Murphy



No centro da comédia dramática, Thomas e Spall interpretam Janet e Bill, um casal de longa data com um casamento de 30 anos. Ela acabou de conquistar um alto cargo no ministério, o que representa um avanço em sua participação no partido de oposição da política Britânica. Decide comemorar o novo cargo com uma festa com estes poucos amigos. O que deveria ser uma celebração agradável se transforma em um conflituoso espaço tragicômico.






Os primeiros a se unir ao projeto foram Thomas e Spall, que reconhecem o profissionalismo da cineasta e a realidade do texto em entrelaçar o contexto político do Reino Unido com a política das relações interpessoais. Com tantos nomes brilhantes e atuações competentes, dois em específico agregam muito valor a mise-en-scène  confinada e dramática, Patricia Clarkson, cujo personagem é ácida, cínica e elegantemente divertida. Cillian Murphy, como um banqueiro no ápice da ansiedade e agressividade, é o personagem que vem a desestruturar as aparências e jogar cartas essenciais na mesa decisivas para o plot.






Levando em conta a especificidade de um filme dirigido em um apartamento, restrito a este ambiente e com foco na atuação de cada personagem para o êxito do conjunto da obra, Sally Potter também conta com a parceria leal do diretor de fotografia, Alexey Rodionov, com um excelente trabalho em preto e branco que contribui para ressaltar a dramaticidade de cada personagem. 



Para fechar as qualidades técnicas desta produção, Sally Potter é a roteirista com contribuição de Walter Donohue. Elabora um texto que, combinada a uma eficiente direção,  traz muito naturalmente elementos do drama e da comédia. Por trás de conversas e atitudes comuns, ela consegue colocar para fora sentimentos que nem sempre as pessoas têm coragem de expor, mas que, em um confronto desta natureza, expulsam segredos de maneiras violentas, cínicas e passionais.



Nesta composição narrativa, outro acerto é iniciar o filme com uma cena intrigante, como um flashback fotografado em um plano minimalista, posteriormente, inserir um personagem que não aparece nos planos em nenhum momento. É o elemento surpresa que não está fora do conflito e que corrobora a escolha inteligente e divertida da roteirista e diretora.  O uso deste recurso é igualmente eficiente para intensificar, alterar e/ou deixar em suspense os conflitos uma vez que pode ser um elemento de desestruturação ou ressignificação das relações entre personagens e dos rumos da história.






A dinâmica do roteiro é provocativa e bem vinda para reflexão porque as relações interpessoais  são políticas, falhas e cínicas. Por assim dizer que, por mais que haja um idealismo na figura de Janet, e um grande homem acadêmico, Bill, que abriu mão de aspectos de sua carreira em favor da esposa, em algum ponto de conflito, as pessoas tendem a abrir o jogo sobre suas mágoas, traições e inseguranças.  


Desta forma,  em A Festa, Sally Potter avança como roteirista e coloca o espectador em um lugar privilegiado de observação. O ambiente é confinado e, nesta situação limite, qualquer desejo de celebração vai desmoronando com identificação de que as pessoas não estão tão distantes do exercício político de suas escolhas e ações fracassadas e/ou problemáticas. Em outras palavras, a crise da moralidade é geral, então é preciso observar como lidamos com verdades e distorções nas relações e cotidiano.



Diferente de outros de seus filmes como Yes (2005) e Tango Lesson (1997), nos quais ela narra histórias de relacionamentos a dois em meio a alguma crise, respectivamente, a do casamento e profissional, desde Ginger & Rosa (2012) ela evolui com escolhas dramáticas com confrontos em grupo. A Festa tem um elenco afiado que contribui muito para esta linha dramatúrgica a tal ponto que, qualquer deslize na escalação dos atores, poderia ter colocado em risco um roteiro deste tipo.



Com todas estas características, é um excelente filme para observar comportamentos e perceber que nem sempre o ser humano tem coragem de ser autêntico. Ele (a) continua com segredos e tem problemas na prática de suas escolhas morais, reafirmando o dito por Sally Potter: "Eu queria levar o riso à beira da faca, enquanto testemunhamos – através do olho inquisitivo das lentes – esse grupo de pessoas que não conseguem abissalmente manter a sua própria linha partidária do que é moralmente correto e politicamente permitido".


Na verdade, nunca houve perfeição em ser humano algum, logo, é interessante notar como Sally Potter oferece espaços abertos em um longa-metragem de apenas 71 minutos e que servem para que o espectador possa rir ao cair a ficha, mas também levar para a casa o drama da exposição. Com uma narrativa que mantém um viés de confronto entre todos os casais, ora de forma mais rasa e irônica, ora de forma mais profunda e expositiva, o público tem um cardápio de observação das relações. 


Tanto que, um dos diálogos mais interessantes é o da relação homossexual entre Martha (Cherry Jones ) e Jinny (Emily Mortimer), o que traz à tona questões essenciais como o relacionamento com diferenças geracionais e a maternidade na terceira idade. Especificamente Cherry Jones realiza uma atuação coadjuvante bem humana e honesta neste divisor de águas entre ser mãe aos 60 anos de idade em uma sociedade cada vez mais caótica e hipócrita, e também mostra essa beleza do amor e da necessidade de fazer certas escolhas, ainda que de maneira pouco segura, para fazer a(o) parceira(o) feliz, para ver a relação dar certo.









No mais, a participação de Cillian Murphy é convulsiva, insana.  Seu personagem aparece na festa sem ser convidado, age como um estranho alterado pelas drogas, ferido em seu ego como homem "vencedor", endinheirado e bem vestido. É o típico executivo ambicioso e bem sucedido nas finanças mas um fracasso no controle emocional.  A competência do ator oferece a tensão do sofrimento humano de uma forma mais caótica e desequilibrada, além de um dinamismo em cena de que, a qualquer momento, pode haver uma tragédia.





Finalmente, como ponto alto, este filme tem uma tragicômica capa burguesa, afinal, são todas pessoas intelectuais e/ou executivos, brancos, europeus e elegantes, uma mistura bombástica para um mundo de aparências na vida política e pessoal, para uma historia que expõe e desaba as relações e costumes. 


O que deveria ser realmente fútil e arrogante nas discussões burguesas ganha uma outra dimensão, mais universal, realista e autêntica: o ser humano é desgraçadamente cômico e dramático. É exatamente esta tensão que define a vida como um belo desastre. Ao mesmo tempo tão ampla e divertida, tão rotineira e deprimente. Nela está o ser humano a ter dificuldades para lidar uns com os outros, a ser insatisfeito, cínico, frágil, inseguro, carente, indeciso, orgulhoso, desiludido.


O ser humano é vulnerável por excelência, mesmo que tenha um alto cargo em um ministério ou seja um executivo de finanças, ou um acadêmico, então, por que não rir de nossas fragilidades, segredos e falhas? Neste sentido, o filme é cativante e divertido.  É reconhecer que estamos todos no mesmo barco, ou melhor, na mesma festa da tragicomédia humana.








Citação Sally Potter, créditos press book A2 Filmes e Mares Filmes, gentilmente cedido.



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