Por Cristiane Costa, Editora e blogueira crítica de Cinema, especialista em Comunicação
Dirigido pela irlandesa Nora Twomey, A Ganha-Pão (The Breadwinner, 2017) é uma animação de encher os olhos com tanta beleza, imaginação e drama ao abordar um tema delicado: a opressão às mulheres no Afeganistão. Adaptado da obra de Deborah Ellis pela roteirista Anita Doron, o longa foi indicado ao Oscar e ao Globo de Ouro de melhor animação em 2018, vencedor do Prêmio Especial do Festival Annecy e do Annie Awards. Também se destaca com uma exuberante trilha sonora de Mychael e Jeff Danna, com composições fabulosas como Sulayman's horse , Parvana cuts her hair, Let Parvana go, Raise your words e The Crown sleeps.
Ambientada em Cabul, a história conta sobre Parvana (Saara Chaudry), que após o pai ser preso injustamente pelas forças do Talibã, ela se veste de garoto para sustentar a família. Vivendo com a mãe e dois irmãos, a corajosa Parvana trabalha nas ruas da cidade e luta contra a violência dos homens. Determinada a encontrar o pai e libertá-lo da prisão, conhece outra jovem, Shauzia (Soma Chhaya) e fazem uma bela amizade, todas na luta e contra a opressão presente no país.
Este longa-metragem alcançou prestígio e reconhecimento na animação por retratar a natureza opressiva da realidade afegã com sinceridade, mas também com uma retomada da tradição oral das histórias orientais, adicionando à narrativa o poder lúdico da imaginação como uma força transformadora para a jovem Parvana. Como o pai, ela é uma contadora de histórias, virtude que é colocada em ação na narrativa, como um transbordar de esperança e sonho.
Muito do mérito da animação vem de uma composição narrativa que tem uma identidade bastante fiel ao Oriente, como uma pintura deste ambiente hostil e igualmente encantador e sedutor. Tradições como o comércio pelas ruas de Cabul, o plano geral da cidade, do alto de suas construções desgastadas pelo tempo e nebulosas com o vento e a areia do deserto, os lindos olhos e cabelos de Parvana, as vestes e alimentos das humildes casas, a união e respeito familiar, tudo é executado com maestria como um mergulho na cultura da região.
No nível lúdico desta composição, as transições entre a realidade e a imaginação da garota moldam uma relação vital entre a historia atual do Afeganistão e as historias contadas pelos ancestrais para trazer paz , amor e alegria. Esta é uma escolha essencial para beleza da obra. Quando Parvana sofre e deseja confortar os que amam, ela conta histórias com Sulayman como o pequeno herói , algo que é sublime dada a conexão dela com ele. Na gênese da tradição oral , as histórias têm uma função terapêutica e transformadora. Além dos aprendizados, elas catalisam mudanças e ressignificações, aliviam as dores da alma, transmutam passado, presente e futuro.
A autenticidade da narrativa evolui para a luta e o engajamento das mulheres, começando pela equipe central: cineasta, roteirista e escritora que formam um corpo feminino que não se cala e produzem um filme inspirador. A jovem protagonista toma uma decisão subversiva neste contexto, considerando que, o ato de se vestir de menino é por si só um ato de dolorosa rebeldia, de uma luta sem armas para a sobrevivência, de não dar arrego. Parvana tem o coração imerso em bondade, ternura e compromisso com a família. É um amor que não desiste de quem se ama, é um amor que tudo supera e vence.
No mais, a historia não tem uma figura marcante como vilão, o que significa um êxito. O percurso do inimigo é muito maior do que uma pessoa física como personagem, ele é a própria opressão vinda de vários lados da cidade e da cultura, nas atitudes de radicais, nas perguntas com respostas silenciadas, nas formas de agressão às mulheres. Se uma garota na flor da idade é obrigada a se vestir de homem para poder comprar um alimento, isto é uma demasiada violência, um sacrifício tremendo para sobreviver.
Mas na dor, existem mulheres corajosas como Parvana, sua mãe e irmã. Existem mulheres de luta. Existem e precisam continuar a existir Parvanas.





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