Acompanhe uma seleção de documentários no MaDame Lumière
Por Cristiane Costa
Quando se fala sobre documentários, um dos aspectos que incorpora melhor qualidade a eles e faz a diferença é como o diretor constrói o filme e, principalmente, orquestra a edição: como ele funde ficção com não ficção, como trabalha a memória, a história e a História, som com imagem, tempo com movimento, lirismo com razão, drama com humor, ausências com presenças.
Dentre os documentários Brasileiros, Paixão de JL ( JL's Passion, 2014) de Carlos Nader tem a virtude de ter uma construção audiovisual totalmente diferente da maioria dos outros longas. Ao abordar sobre o artista visual José Leonilson, seu amigo pessoal que faleceu em 1993 , aos 36 anos, por ocasião da AIDS, Nader realiza uma bela poética no Cinema Nacional. Ele faz a fusão dos trabalhos artísticos de JL, das confissões gravadas pelo próprio artista, em forma de diário em fitas cassette, e arquivos históricos de variados assuntos da época. Como esse era um projeto a tornar-se público desde o ínicio, Nader teve acesso às fitas e realiza um filme muito intimista, uma bela homenagem póstuma.
Intimismo é um dos pilares narrativos desse documentário. Em 1990, José Leonilson começou a gravar seu diário íntimo tomado por uma necessidade bem pessoal de falar sobre seus sentimentos, sua existência. A maioria das confissões são de natureza muito pessoal, afetiva, dolorosa. Nas primeiras falas, a fronteira da formalidade é quebrada e o artista escancara o coração, com aquele sensível tom de sinceridade. São como aqueles momentos inquietos nos quais tentamos nos entender, compreender o mundo e os outros, achar uma explicação para angústias, medos, solidão, sofrimento.
Obra de José Leonilson
O longa também traz um peso contextual que é fundamental para não transformá-lo em um divã pessoal. A partir dos comentários de José Leonilson sobre política, música, Cinema, o diretor realiza uma montagem com filmes de Wim Wenders, Derek Jarman e outros cineastas, arquivos audiovisuais de novelas e séries, trechos com a Madonna etc. Durante a gravação desse diário íntimo, José Leonilson descobre ser portador do HIV e o longa coloca o público como testemunha desse momento tão dilacerante na vida do artista, entre a fronteira da vida e da morte, principalmente considerando que ele ficou doente em uma época na qual a doença não era tão abertamente discutida e havia um medo natural de contar sobre AIDS para os amigos e família, de sofrer, de morrer.
Obra de José Leonilson
De maneira muito sensível e sem usar o corpo físico, o documentário é todo trabalhado com uma colagem visual dos trabalhos artísticos e a voz gravada de José Leonilson. Pode ser interpretado como o espectador quiser e sentir na hora: como uma poesia audiovisual, uma cinebiografia artística com voz existencial, uma galeria visual com confissões pessoais. Esse é um filme que é o próprio JL tomando forma, independente de seu corpo, ele está próximo ao espectador.
A decisão de Carlos Nader em trabalhar com o áudio espontâneo e corporificar JL é fantástica. Faz a diferença com uma proposta de unir intimidade com arte. O lirismo e a sinergia entre planos são bem combinados no resultado final, tanto do ponto de vista da construção como da emoção. Considerando que a obra de José Leonilson é muito pessoal e uma clara evidência de quem ele era e o que sentia, com esse documentário, é possível conhecer um pouco mais dele, ou conhecê-lo pela primeira vez como se já tivesse o conhecido há muitos anos atrás.
Fotos: Divulgação




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Cristiane Costa, MaDame Lumière