Definitivamente, muito do êxito da película se deve a combinação formidável: Haneke e Huppert. O cineasta coloca sua câmera onde ela deve estar de acordo com sua marca pessoal: tomadas estáticas. Ele também mantém alguns recursos que lhe são bem próprios como a montagem da sequência inicial na qual ele alterna cenas do filme com cortes para a tela escura, a naturalidade na direção de cenas polêmicas, de forte apelo violento como as brigas físicas entre Erika e sua mãe e sexuais entre Erika e Walter e o preciso uso do tempo cinematográfico nessa película. A câmera voyeur testemunha, observa, registra, logo não é necessário dizer mais nada, Haneke está no controle do action. Huppert está em cena em estado de obscura graça. Com ela, todo o erotismo doloroso de uma mulher de desejos reprimidos que gosta de observar pornografia, de mutilar suas partes íntimas, de provocar um homem sem finalizar o ato sexual, entre outras taras. É muito evidente a estética de Haneke nos longos planos-sequências porque ele quase não move sua estática câmera, o que possibilita o público ser voyeur e sentir o teor dramático e erótico da atuação silenciosa, na qual palavras não são necessárias. Ela é posicionada para encarar Erika em seus momentos de silêncio e perversão, para encarar Walter em seus momentos de obsessiva paixão, para filmar a beleza do toque das mãos nas teclas do piano, para registrar o quanto a mãe da pianista é uma velha sufocante. Quanto à fotografia, essa é bem combinada com a direção, pois a câmera de Haneke é posicionada exatamente em enquadramentos que primam pelo apuro senso estético. A trilha sonora de música clássica funciona como um fundamental personagem coadjuvante que provê intensidade dramática e beleza melódica à narrativa, mas também suaviza o forte conteúdo temático do filme.
A professora de piano faz um zumbido na cabeça por dias. É o tipo de filme forte e cru que se torna memorável por ter uma protagonista bem desenvolvida com densidade psicológica. Erika é intrigante e por sê-lo assim, ela é a personagem que serve para desmascarar o oculto que está na sociedade. Afinal, todos têm desejos que são castrados diariamente pela convencional sociedade que rejeita, julga e condena os 'esquisitos' como Erika. Com a excepcional atuação de Isabelle Huppert que tem uma entrega total ao personagem, o filme desafia cada um a pensar quem é Erika, porque ela age assim, como é a sua vida, o que ela sente, o que será de sua vida. É complexo compreender como funciona o psicológico de uma sadomasoquista que simplesmente já começa a ter uma relação assim com a própria mãe, ilustrada em cenas de embate físico e oral. Ela não suporta o controle da mãe e parece odiá-la a ponto de chamá-la de puta, porém ao mesmo tempo é a mãe que está ao seu lado, que se preocupa com a filha, que cria um laço de co-dependência. Esse é um aspecto interessante nessa relação porque a mãe de Erika não tem nome, ela é simplesmente a Mãe. Sob o ponto de vista psicanalítico, pode se dizer que a mãe, enquanto uma instituição de poder familiar e matriarcal, é uma entidade social, mandatória, rígida. Ela pode seria ser um pai, um governo, uma cultura, um individuo qualquer, uma sociedade que repreende os libertários desejos de uma pessoa. Além do mais, o comportamento sádico depende do masoquista e vice-versa. Um não existe sem o outro. O sadomasoquismo é uma relação que muitos tem com as instituições castradoras do cotidiano. Precisam delas, sofrem com elas, obtem os prazeres com elas e, também, as dores. Essa ambiguidade de sentimentos e atitudes também permeia as relações de Erika as quais ela não consegue desenvolver, assim sendo, as relações de Walter e Erika e de Erika e sua mãe são apenas artifícios para mostrar que cada individuo precisa de amor e prazer e o que encontra é dor e frustração ao lidar com suas paixões e repressões em um inevitável situação de incomunicabilidade e não realização. Ao analisar essas relações, percebe-se que eles são incapazes de se entenderem. Tendo em vista essa complexidade psicológica, o longa é um primor porque ele faz uma crítica social especificamente à Sociedade Européia, crítica que pode ser aplicável a qualquer sociedade castradora, que cada vez mais é feita de individuos problemáticos e necessitados de libertação dos mais profundos desejos.
Título original: La Pianiste
Genero: Drama
Roteiro: Michael Haneke
Direção: Michael Haneke
Elenco: Isabelle Huppert, Benoît Magimel, Anne Girardot
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