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Uma produção cinematográfica que tem status de obra de Arte está além de sua função meramente degustativa e contemplativa. Ela exige um comp...

A Professora de Piano (La Pianiste - 2001)







Uma produção cinematográfica que tem status de obra de Arte está além de sua função meramente degustativa e contemplativa. Ela exige um comportamento ativo do público: o de capturar a mensagem do filme e o quanto ela é um espelho da realidade circundante, ou seja, observar e permitir-se sentir o quanto a mensagem é efetiva e agregadora para uma reflexão existencial e do mundo. Esse exercício de olhar o Cinema como um espelho pessoal e coletivo assim como prolongar a experiência cinematográfica com suas mais variadas e enriquecedoras ressonâncias é uma das mais belas dádivas da Sétima Arte. Quando o filme aborda uma temática provocativa que é primorosamente bem desenvolvida na direção, roteiro e atuação, esquecê-lo é impossível, reconhecer-se nele é factível. A ousadia do argumento é como tocar no vespeiro da complexa mente humana com seus mais ocultos medos, desejos. Dentro da gama desses filmes polêmicos, está A professora de Piano (La Pianiste), de Michael Haneke, cineasta Alemão mundialmente reconhecido por filmes como Caché, Violência Gratuita e A Fita Branca.












Baseado no contundente romance homônimo de Elfriede Jelinek, o longa traz a magnífica Isabelle Huppert atuante no difícil e denso papel de Erika Kohut, uma madura e solteira professora de piano, que vive com a castradora mãe (Annie Girardot) e tem tendências sadomasoquistas. A escolha de uma professora de piano é muito aderente pois, em teoria, é esperado que qualquer professor com esse ofício seja culto, refinado, discreto, adepto dos "bons" comportamentos. Erika mostra uma outra faceta: o lado de mulher má em dose dupla - o de mal comida e o de pervertida. Ela se envolve com o aluno Walter Klemmer (Benoît Magimel) com o qual desenvolve uma relação complicada e psicologicamente violenta. O drama é conduzido de forma a enfocar como se comporta a professora de piano, uma mulher de complexa densidade psicológica, que por trás da máscara de uma talentosa pianista que não conseguiu uma carreira de estrelato, oculta uma mulher solitária, problemática, de constantes hábitos de perversão sexual e incapaz de ter relaciomentos construtivos. Ao se apaixonar por uma sadomaso como Erika, Walter sofre na mão dela e a relação tumultuada traz graves consequências, o que é formidavelmente perceptível e bem construído na mudança comportamental de ambos. Ao fim, Erika Kohut é uma mulher repreendida em seus desejos sexuais, perdida em si mesma, um mistério a ser revelado, uma alma que precisa de compaixão.










Definitivamente, muito do êxito da película se deve a combinação formidável: Haneke e Huppert. O cineasta coloca sua câmera onde ela deve estar de acordo com sua marca pessoal: tomadas estáticas. Ele também mantém alguns recursos que lhe são bem próprios como a montagem da sequência inicial na qual ele alterna cenas do filme com cortes para a tela escura, a naturalidade na direção de cenas polêmicas, de forte apelo violento como as brigas físicas entre Erika e sua mãe e sexuais entre Erika e Walter e o preciso uso do tempo cinematográfico nessa película. A câmera voyeur testemunha, observa, registra, logo não é necessário dizer mais nada, Haneke está no controle do action. Huppert está em cena em estado de obscura graça. Com ela, todo o erotismo doloroso de uma mulher de desejos reprimidos que gosta de observar pornografia, de mutilar suas partes íntimas, de provocar um homem sem finalizar o ato sexual, entre outras taras. É muito evidente a estética de Haneke nos longos planos-sequências porque ele quase não move sua estática câmera, o que possibilita o público ser voyeur e sentir o teor dramático e erótico da atuação silenciosa, na qual palavras não são necessárias. Ela é posicionada para encarar Erika em seus momentos de silêncio e perversão, para encarar Walter em seus momentos de obsessiva paixão, para filmar a beleza do toque das mãos nas teclas do piano, para registrar o quanto a mãe da pianista é uma velha sufocante. Quanto à fotografia, essa é bem combinada com a direção, pois a câmera de Haneke é posicionada exatamente em enquadramentos que primam pelo apuro senso estético. A trilha sonora de música clássica funciona como um fundamental personagem coadjuvante que provê intensidade dramática e beleza melódica à narrativa, mas também suaviza o forte conteúdo temático do filme.












A professora de piano faz um zumbido na cabeça por dias. É o tipo de filme forte e cru que se torna memorável por ter uma protagonista bem desenvolvida com densidade psicológica. Erika é intrigante e por sê-lo assim, ela é a personagem que serve para desmascarar o oculto que está na sociedade. Afinal, todos têm desejos que são castrados diariamente pela convencional sociedade que rejeita, julga e condena os 'esquisitos' como Erika. Com a excepcional atuação de Isabelle Huppert que tem uma entrega total ao personagem, o filme desafia cada um a pensar quem é Erika, porque ela age assim, como é a sua vida, o que ela sente, o que será de sua vida. É complexo compreender como funciona o psicológico de uma sadomasoquista que simplesmente já começa a ter uma relação assim com a própria mãe, ilustrada em cenas de embate físico e oral. Ela não suporta o controle da mãe e parece odiá-la a ponto de chamá-la de puta, porém ao mesmo tempo é a mãe que está ao seu lado, que se preocupa com a filha, que cria um laço de co-dependência. Esse é um aspecto interessante nessa relação porque a mãe de Erika não tem nome, ela é simplesmente a Mãe. Sob o ponto de vista psicanalítico, pode se dizer que a mãe, enquanto uma instituição de poder familiar e matriarcal, é uma entidade social, mandatória, rígida. Ela pode seria ser um pai, um governo, uma cultura, um individuo qualquer, uma sociedade que repreende os libertários desejos de uma pessoa. Além do mais, o comportamento sádico depende do masoquista e vice-versa. Um não existe sem o outro. O sadomasoquismo é uma relação que muitos tem com as instituições castradoras do cotidiano. Precisam delas, sofrem com elas, obtem os prazeres com elas e, também, as dores. Essa ambiguidade de sentimentos e atitudes também permeia as relações de Erika as quais ela não consegue desenvolver, assim sendo, as relações de Walter e Erika e de Erika e sua mãe são apenas artifícios para mostrar que cada individuo precisa de amor e prazer e o que encontra é dor e frustração ao lidar com suas paixões e repressões em um inevitável situação de incomunicabilidade e não realização. Ao analisar essas relações, percebe-se que eles são incapazes de se entenderem. Tendo em vista essa complexidade psicológica, o longa é um primor porque ele faz uma crítica social especificamente à Sociedade Européia, crítica que pode ser aplicável a qualquer sociedade castradora, que cada vez mais é feita de individuos problemáticos e necessitados de libertação dos mais profundos desejos.










Avaliação MaDame Lumière



Título original: La Pianiste
Genero: Drama
Roteiro: Michael Haneke
Direção: Michael Haneke
Elenco: Isabelle Huppert, Benoît Magimel, Anne Girardot

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