Sou MaDame Lumière. Cinema é o meu Luxo.

Por  Cristiane Costa ,  Editora e crítica de Cinema, e specialista em Comunicação. Adaptação do livro "O Escafandro e ...

O Escafandro e a borboleta








Por Cristiane Costa,  Editora e crítica de Cinema, especialista em Comunicação.





Adaptação do livro "O Escafandro e a borboleta" (The Diving bell and the butterfly) para os cinemas, o filme realizado pelo pintor e cineasta Julian Schnabel (de "Basquiat") é a comovente histórias do escritor, jornalista e ex-editor da Revista Elle Francesa, Jean-Dominique Bauby, conhecimento como Jean-Do e interpretado por Mathieu Almaric. Após sofrer um acidente vascular cerebral em 1995, Bauby ficou totalmente paralisado da cabeça aos pés e adquiriu um raro transtorno neurológico chamado Síndrome do encarceramento (Locked-in). Com esse grave quadro, ele só conseguia mover a pálpebra esquerda, que foi a única forma de se comunicar com médicos, fonoaudiólogos, fisioterapeutas, familiares, colegas etc.







Este filme é uma obra belíssima, tanto sob uma perspectiva esclarecedora sobre a importância do sistema nervoso e sua relação com as atividades diárias como também sob as perspectivas narrativa, artística e cinebiográfica . O apuro estético de Julian Schnabel torna o filme sensível, porém não melodramático demais, combinando muito bem os aspectos das limitações físicas de Bauby com uma jornada de reflexão sobre suas memórias e as oportunidades afetivas que não viveu plenamente. 







Nas primeiras cenas, Bauby acorda em um hospital em Bercky-sur-Mer após ficar 3 semanas em coma. Apesar de compreender o que os outros falam, não consegue falar. A sensação é imediatamente dramática. Muito sabiamente, a direção realiza o filme com o ponto de vista de Bauby, que percebe e tem contato com as pessoas e o ambiente através de apenas 1 olho. A câmera é a janela para o mundo interior do protagonista e abre espaço para que o espectador possa ver a prisão mas também a consciência, a história e as emoções de Bauby. 

Assim como filmes  quem tem pessoas com tetraplegia ou quadriplegia como "A teoria do mundo", "Intocáveis", entre outros, "O escafandro e a borboleta" carrega em si aquelas fatalidades que a vida têm, que naturalmente provocam comoção, mostram a superação do homem e como enfrentar sofrimentos. Durante um passeio de carro com o filho, feliz e em uma paisagem bucólica, além de ter uma vida de status ligada à moda e ao glamour, Bauby perdeu tudo isso de uma hora para outra.  O AVC afetou seu tronco encefálico que desempenha uma importante função ao lidar o cérebro à espinha dorsal e transmite informações motoras e sensoriais. Com essa área comprometida, além da paralisia, ele não tinha a fala. 







Muito da superação na biografia de Bauby e da impressionante força para viver estão na forma como foi estabelecida um sistema de comunicação que utiliza a pálpebra. Inicialmente, as perguntas eram baseadas em "sim" ou "não", para as quais ele piscava uma vez para o sim e duas vezes para o não. Posteriormente, além de todo o suporte médico e especializado que ele teve condições de ter, Bauby foi apresentado a um alfabeto Francês que utilizava as mais recorrentes letras do idioma. Essas letras eram classificadas pela frequência de uso, uma pessoa mostrava determinada letra ou  lia o alfabeto em voz alta, olhando fixamente para ele e Bauby piscava cada vez que escolhia a letra que desejava. Com isso, ele construiu frases e, por incrível que pareça, um livro intensamente poético, vibrante e intimista, com a ajuda de Claude (Anne Consigny) que escrevia o ditado.







Com a síndrome do encarceramento, raramente ele voltaria a andar e a assumir toda a competência funcional da fala e dos movimentos considerando que o tronco encefálico realiza esta conexão, no entanto, a real beleza de sua história mostrada nesse fascinante filme é como ele não perdeu sua imaginação, memória e consciência. São elas que revelam quem é o Bauby para as pessoas. São elas que assumem as formas de ele escapar do escafandro e voar como borboleta. Seu cérebro manteve essa funcionalidade, o que corrobora o poder do sistema nervoso; ainda que limitado em alguns aspectos, em outros, ele se preserva. 



Em si o filme é uma grande lição de vida e como é importante amar enquanto há tempo, falar o que sentimos enquanto podemos, fazer o que gostamos. Bauby era um charmoso homem que vivia no luxuoso ambiente da moda, mas que também percebeu o valor das pessoas quando lhe faltou o caminhar, o abraçar, o afagar e o falar. A presença de pessoas familiares ou próximas como a mão de seus filhos, Céline (Emmanuelle Seigner), seu pai Papinou (Max von Sydow), da fonoaudióloga Henriette (Marie-Josée Croze) e de Claude, mostram que, por mais que haja sofrimento, o que nos faz viver e sobreviver é estar perto de quem amamos, lembrar que temos uma história com elas, que estas pessoas sofrem  mas também podem nos ajudar e dar forças. Nesse sentido, Bauby, que é pouco aprofundado nos planos do passado em termos de densidade psicológica, claramente, assume que poderia ter vivido  melhor e investido mais no afeto das relações. As cenas mais poéticas e chorosas do longa mostram esses sentimentos, lembrando dos filhos, do pai, de uma antiga namorada.





Quanto à construção da narrativa, ela é bem diferenciada em comparação a dramas que abordam pessoas presas a uma cama e/ou cadeira de rodas.  Não a toa foi indicado a quase 100 categorias em festivais  e ganhou prêmios como melhor direção e Vulcain prize em Cannes (2007), Globo de Ouro (2008) de melhor direção e melhor filme em idioma estrangeiro, BAFTA (2008) de melhor roteiro adaptado, o César Awards (2008) de melhor ator (Mathieu Almaric) e melhor edição. Não deu Oscar, porém, a aceitação da crítica e do público é positiva, destacando o longa como uma das melhores cinebiografias existentes sobre histórias sobre pessoas com limitações físicas e neurológicas.






O filme é uma jornada artística de um diretor que é, por profissão e vocação, bastante envolvido com arte, então esse é um detalhe importante  a observar e degustar durante a projeção. As cenas em flashback, muito bem intercaladas na montagem de Juliette Welfling (de "O profeta"), dão uma fluidez crível entre a imaginação, a realidade, os devaneios e as memórias, além do mais, a fotografia magnífica de Janusz Kaminski só comprova que ele é um dos maiores diretores de fotografia do mundo, responsável por longas como "A lista de Schindler" e "O resgate do soldado Ryan". E se Steven Spielberg confia nele, obviamente o bom gosto estético de Julian Schnabel não deixaria essa chance escapar. 

Finalmente, "O escafandro e a borboleta" tem mesmo este ying e yang de Bauby, os opostos que precisam conviver por um destino trágico na vida. Escafandro é o Bauby preso ao mar, controlado e sem movimento. Borboleta é o Bauby com asas à imaginação, sentindo a liberdade que tanto deseja. Todo o resto é sofrimento mas também poesia, paz e redenção. 












0 comentários:

Caro (a) leitor(a)

Obrigada pelo seu interesse em comentar no MaDame Lumiére. Sua participação é muito importante para trocarmos percepções e opiniões sobre a fascinante Sétima Arte.

Madame Lumière é um blog engajado e democrático, logo você é livre para elogiar ou criticar o filme assim como qualquer comentário dentro do assunto cinema e audiovisual.

No entanto, não serão aprovadas mensagens que insultem, difamem ou desrespeitem a autora do blog assim como qualquer ataque pessoal ofensivo a leitores do blog e suas opiniões. Também não serão aceitos comentários com propósitos propagandistas, obscenos, persecutórios, racistas, etc.

Caso não concorde com a opinião cinéfila de alguém, saiba como respondê-la educadamente, de forma a todos aprenderem juntos com esta magnífica arte. Opiniões distintas são bem vindas e enriquecem a discussão.

Saudações cinéfilas,

Cristiane Costa, MaDame Lumière