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Sob a direção de Selton Mello, O Palhaço é uma bela jornada de inspiração Felliniana que ao criar a ilusão cinematográfica do circo, sua tr...

O Palhaço (2011)



Sob a direção de Selton Mello, O Palhaço é uma bela jornada de inspiração Felliniana que ao criar a ilusão cinematográfica do circo, sua trupe itinerante e aparições humorísticas em cidades do interior Brasileiro, trazem ao público um emocionante misto de magia circense com a melancolia de um jovem palhaço. Valdemar (Paulo José) e Benjamin (Selton Mello) são pai e filho, donos do Circo Esperança e formam a dupla de palhaços Puro Sangue e Pangaré. Viajam com sua divertida e excêntrica família circense, fabulosa em evocar a simplicidade, o humor e o amor do circo com poucos tostões no bolso. O elenco coadjuvante que representa os variados tipos: mágico, anão, bailarina, etc encanta com destaque para o Delegado Justo (Moacyr Franco), Paulo José e participações muito especiais de Ferrugem, Jorge Loredo e da carismática atriz-mirim Larissa Manoela, que interpreta a sonhadora e encantadora Guilhermina.




Além da fascinante fotografia assinada por Adrian Teijido, cadenciada em nuances solares e coloridas, a força imagética do filme também está combinada com uma excelente direção de arte de Claudio Amaral Peixoto e figurino de Kika Lopes que misturam uma estética mais regional, interiorana e popular com o excêntrico visual de artistas maquiados e vestidos como parte de um mundo mágico, surreal. Embalado pela bela trilha sonora do músico e produtor Plínio Profeta, O Palhaço tem a sonoridade popular Brasileira com a musicalidade instrumental que interage intimamente com o drama cômico. As texturas fotográficas têm um realismo vibrante e até mesmo, sinestésico, como a imagem das ondas de calor que exalam do asfalto, o suor palpável na pele da bailarina, o olhar contemplativo e sonhador da criança para o picadeiro. O espectador é levado a contemplar um visual mais provinciano, em contato com o público bem popular que comparece às apresentações para dar boas risadas. Este público assume um significado especial ao aproximar mais o Brasil e o circo, cada espectador e O Palhaço.




Selton Mello surpreende como realizador. Sua maturidade como artista é evidente e mais completa: ele roteiriza, dirige, atua e traz a carga reflexiva, melancólica e cômica de um palhaço. O apelo do diretor não é somente de apuro estético e de orquestração fílmica, Selton é bem apoiado pela equipe qualificada que rendeu prêmios ao filme e pelo ótimo roteiro elaborado em parceria com Marcelo Vindicatto. Ao enquadrar em closes a planos mais abertos, ora imagens do popular, ora de paisagens interioranas, seu olhar transformado em diretor de um “circo cinematográfico” é digno de aplausos. Exemplo disso é a relação fílmica que se estabelece entre o público e o palco formado pelos próprios integrantes do elenco: o plano do Delegado Justo conversando com a trupe após uma ocorrência de briga em bar, quando a trupe procura e dialoga com Beto/Deto Papagaio (Tonico Pereira) ou quando Benjamin Pangaré acompanha a conversa de Nei (Jorge Loredo) bem humorada de em uma mesa de bar. A trupe se torna plateia, os outros são palhaços e o Cinema é o grande palco; porém como na vida, nem tudo é riso, surge na narrativa um triste questionamento verbalizado pelo melancólico palhaço Pangaré: “Eu faço o povo rir, mas quem vai me fazer rir?”.





A partir dessa interrogação, o protagonista e a narrativa são bem desenvolvidos para demonstrar que o palhaço está em crise, que há mais tristeza cômica que alegria exacerbada, muito mais perguntas do que respostas, que depois dos gracejos e trejeitos no palco, Pangaré nem mesmo tem certeza se aquele é o seu lugar. O silêncio, a introspecção e a voz entoada para “dentro” na excelente atuação de Selton Mello caracterizam este palhaço que perde o viço e a vontade de entreter o público, fato que é fundamental para tornar o personagem uma incógnita dele mesmo, que sensibiliza e cria um processo de identificação com a platéia, afinal, pelo menos uma vez na vida, alguém teve vontade de viajar mundo afora e encontrar a si mesmo, ou riu com vontade de chorar, na mais verdadeira e humana das emoções. Com essa temática, o filme tem um clima e ritmo mais lentos, uma atmosfera de fábula com uma dose de realidade, que estabelecem uma comunicação com o público de que a jornada é mais dramática do que cômica, mais introspectiva do que extrovertida.




Tal problemática existencial é muito bem estilizada por Selton Mello através de seu personagem, de performático talento e carisma. Para criar um sentido bem maior às escolhas de Pangaré, alguns elementos cenográficos são inseridos como uma certidão de nascimento, velha e amassada, e ventiladores que surgem em diversas cenas. A inclusão do ventilador, elemento do sonho e desejo, é muito interessante e essencial para materializar um propósito e criar mais poesia na narrativa, a da busca por algo que se deseja e que deve ser conquistada. O ventilador não é somente a promessa do frescor do corpo físico, ele gira como um mundo de novas possibilidades, como a hélice de um avião que leva a descobrir outros lugares e novas experiências. Pangaré deseja comprar um ventilador, mas não tem nem carteira de identidade, CPF e comprovante de residência que possibilitem esta compra. O palhaço se torna um cidadão do mundo sem RG, um viajante que entra na vida das pessoas e, logo mais, tem que abandoná-las, um sonhador que parte em busca de uma realidade fora do mundo circense que lhe traga o autoconhecimento e a experiência, que lhe dê a oportunidade de encontrar qual é o seu lugar neste mundo, obter uma identidade na universalidade de sua vocação.




De maneira geral, o filme é muito bom porque o palhaço vem para contestar a ordem de sua própria existência e nos levar à reflexão, logo não é mais um filme de simples entretenimento, mas uma jornada de autodescoberta facilmente aplicada a cada um de nós. Em sua harmonia de roteiro, fotografia, direção e atuação, a força do filme está em se comunicar com o público, que é o desejo de Selton Mello. Ele queria um filme para emocionar e está conseguindo os resultados de suas expectativas, tanto que a recepção do mesmo no Festival de Paulínia foi muito positiva, ganhando os prêmios de melhor ator coadjuvante, direção, roteiro e figurino. Certamente as emoções afloram quando o Cinema é espelho de nossas próprias problemáticas. O Palhaço acerta ao criar uma beleza refinada e ao mesmo tempo capaz de se comunicar com a massa através de um assunto tão mágico como o circo e tão universal como a melancolia que abate o ser humano em variados ciclos de sua vida. Guiado por seu instinto e psicologicamente dividido por duas forças que o impulsionaram para baixo e para cima, o palhaço é uma figura de contestação e de reflexão, aqui não é diferente, como já dizia Fellini. Pangaré tem carisma assim como tinha a Gelsomina (a atriz-palhaço Giulietta Masina) em Estrada da Vida. Ambos têm a singularidade de encantar pessoas com simplicidade, com um estilo caricato tão único em um palhaço, capaz de mimetizar a alegria, a tristeza, o cômico, o trágico que é intrínseco ao ser humano e expressar aquele sentimento em suspenso, com dúvidas e questionamentos, com uma inadaptabilidade a algumas circunstâncias. O Clowning, a Arte de performar, viver e ser um palhaço, tem como excelência o riso como reflexão de outras dores da existência. O Clowning de O Palhaço provê uma reflexão ativa, uma mensagem tocante e de potencial transformação.




O Palhaço é um drama cômico genuinamente sincero e leve, uma homenagem ao circo e a seus artistas; nisso reside o seu real valor: o de ser um filme de coração e alma que tem o tom autoral de Selton Mello, o bom humor Brasileiro, o reconhecimento da Arte Circense do país de tantos palhaços como Benjamin de Oliveira e Valdemar Seyssel “o Arrelia” e ser comercialmente atrativo para o Cinema Nacional. Ele é recomendado por não ter exageros sentimentalistas e, ainda assim, ser cativante, emocionante. Com ele, Selton Mello transformou 90 minutos de projeção em um filme mímesis do palhaço que traz riso e esperança e, como dizia o cineasta Italiano Fellini, também faz bem à saúde.


Avaliação MaDame Lumière


Filme: O Palhaço País/ Ano: Brasil (2011)

Direção: Selton Mello

Roteiro: Selton Mello e Marcelo Vindicatto / Produção: Vânia Catani

Elenco: Selton Mello, Paulo José, Larissa Manoel, Gisele Motta, Teuda Bara, Álamo Facó, Cadu Fávero, Erom Cordeiro, Moacyr Franco, Tonico Pereira, Ferrugem, Jorge Loredo, etc.

3 comentários:

  1. Simplesmente esplêndido! "O palhaço"consegue emocionar, fazer rir e pensar sem soar piegas ou paternalista. É uma pequena obra-prima que ainda pode dar muito orgulho ao cinema brasileiro.

    PS - Até agora eu não conheço NINGUÉM que não tenha saído das salas de exibição encantado com o filme!

    Bjos
    Clênio
    www.lennysmind.blogspot.com
    www.clenio-umfilmepordia.blogspot.com

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  2. "O Palhaço" é um filme muito bonito, especialmente na forma como mostra a melancolia que existe por trás de uma contida alegria. É mais uma prova de que Selton Mello é um bom diretor. Além de grande ator. :)

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  3. Adorei esse filme. Os conflitos dos personagens são mostrados de forma bastante querida e singela. Uma bela homenagem ao circo e aos artistas em geral.

    Bjos...
    http://www.cinemosaico.com

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