Vencedor Oscar 2020: melhor curta metragem (ficção)
Por Cristiane Costa, Editora e blogueira crítica de Cinema, especialista em Comunicação
A categoria de curta-metragem em ficção do Oscar traz um frescor cinematográfico quando levamos em conta a importância de boas e simples ideias para uma narrativa em storytelling audiovisual promissora. Em poucos minutos, diretor e roteirista têm que compor uma sequência e cenas que tenham realmente algo a dizer e a despertar uma reflexão útil na audiência. Conduzir essa passagem do tempo dando liberdade e espontaneidade na atuação do elenco, assim como orquestrar design de produção, edição e direção de fotografia não é das tarefas fáceis. Quem realiza bem um curta, tem potencial para utilizar a mesma ideia, esmiuça-la e desenvolver um longa-metragem depois.
Dirigido por Marshall Curry, experiente diretor de curtas e documentários, vencedor do Oscar nessa categoria, "The Neighbor's Window", é uma grata surpresa que coloca o espectador como um voyeur. Com uma ideia aparentemente simples e bem executada, Curry traz a referência conceitual de Uma janela indiscreta (A Rear Window, 1954, de Alfred Hitchcock) ao mostrar Alli (Maria Dizzia) e seu marido (Greg Keller), um casal com 3 filhos pequenos que vivencia o stress das responsabilidades diárias. Certo dia, eles observam um outro casal jovem, vizinhos recém-chegados no apartamento de frente, que transam loucamente. Ao longo de 18 meses, Alli e seu marido passam a recriminar a rotina e o casamento desgastante, e a observar ainda os vizinhos.
Este curta é uma boa resposta para aquele dito popular "A grama do vizinho é mais verdinha"? Nem sempre é melhor e muito menos mais verde. É um trabalho excelente sob essa perspectiva considerando que, na maioria das vezes, tendemos a achar que conhecemos a vida dos outros, entretanto, isso é uma grande inverdade. Não é necessário invejar o vizinho pela janela ou muro de casa pois as próprias redes sociais demonstram que, aparentemente, todo mundo é mais feliz que a gente e isso é outra mentira. As pessoas têm histórias de vida, dificuldades e desafios diferentes, sendo assim, em menor ou maior grau, a felicidade é algo muito relativo e circunstancial. Nem toda aparência é essência.
Na execução do curta, Curry realiza um trabalho crível e transparente, utilizando uma boa concepção de luz e fotografia para o ambiente, com cuidados na locação escolhida e preparação do apartamento , além do equilíbrio narrativo entre quem observa e quem é observado e dos elementos que marcam a passagem do tempo (neve, enfeites de natal, bebê). O espectador vê mais os fragmentos da rotina de Alli e seu marido, passa a observar como ela, uma mãe com 3 crianças em desenvolvimento, está atarefada e entediada, detalhes que são comuns na maioria das mães que cuidam e educam seus filhos pequenos. É interessante também observar como, especialmente Alli, desenvolve um voyeurismo obsessivo pelo jovem casal, passando a ter uma curiosa postura durante meses, observando o casal vizinho enquanto amamenta o seu bebê ou utilizando binóculo para espiá-los.
Para a nossa sorte, esse é um ótimo curta contemporâneo que, embora não utilize nenhum elemento digital como cênico ou narrativo, tem muito a dizer sobre nossas vidas na era da tecnologia, e a inveja e a angústia dos tempos líquidos. Em época de Facebook, Instagram, Twitter e Linkedin e todas as várias redes sociais, as pessoas costumam achar que suas vidas são um verdadeiro fracasso, se sentem menores e desfavorecidas ou sem a sorte que merecem, entretanto, cabe lembrar que "Nem sempre a grama do vizinho é mais verdinha". The Neighbor's window prova isso e abre uma outra janela de percepção e valorização de si e do outro. Ele ajuda a cultivar a empatia e o olhar sensível do eu para a realista vida ao redor.
Assista ao curta, disponível no You Tube
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