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Um dos grandes expoentes da Literatura Francesa e de renome mundial, Victor Hugo e suas talentosas obras  que misturam o grotesco ao...

Festival Varilux de Cinema Francês 2013: O homem que ri (L'homme qui rit) - 2012




Um dos grandes expoentes da Literatura Francesa e de renome mundial, Victor Hugo e suas talentosas obras  que misturam o grotesco ao belo e mostram os males da aristocracia e da monarquia sobre o povo, são um belo e cheio prato para as adaptações para o Cinema.  Normalmente emocionam por misturar o monstruoso e o  sublime com vieses político e romântico. Além do recente os Misérables de Tom Hooper, Victor Hugo está nas telinhas novamente. Desta vez, o cineasta Jean-Pierre Améris decide revisitar a obra O homem que ri, que em 1928 foi também dirigida por Paul Leni, estreando  Conraid Veigt no papel principal de Gwynplaine, homem que tem uma cicatriz de um constante riso no rosto e que o transforma em motivo de riso e de horror.  Esse personagem serviu de inspiração para compor o Coringa de Batman.





O romance é considerado uma clássica alegoria política do homem comum,  grotesco, miserável e saltimbanco. Gwynplaine é monstruoso aos olhos do povo, da monarquia e da aristocracia, mas faz o povo ri da própria fatalidade e da pobreza e é ignorado pela Corte, ainda que tenha uma origem nobre, riqueza e direito à palavra em um Parlamento. Sua aberração o torna um dos mais belos e trágicos personagens de Victor Hugo porque a história em si é emocionante, misturando a realidade e o sonho, o grotesco e o sublime, a tristeza e o amor. No século XVII, Gwynplaine (Marc-André Grondin) é filho do nobre Lord Clancharlie que traiu o Rei James II. Como vingança, o monarca ordena, além da morte de seu pai, que Gwynplaine seja vendido a um grupo chamado "comprachicos" (compradores de crianças) e que tenha o rosto desfigurado. Ele é abandonado com o rosto marcado por uma cicatriz de um sorriso macabro e aterrorizante. Posteriormente, encontra Déa (Christa Théret), orfã e cega e, juntos, são acolhidos e adotados por Ursus (Gerárd Depardieu). Ursus é um modesto e itinerante saltimbanco, um tanto excêntrico e engraçado já que nunca derramou uma lágrima, mas é capaz de ter a sensível e bondosa atitude de criar duas crianças abandonadas.







Na fase mais adulta, Gwynplaine e Déa se apaixonam e se tornam a atração de um espetáculo do circo "O homem que ri": Ele, a evocação do monstro grotesco. Ela, a metáfora da virginal pureza. As apresentações cativam a audiência, não somente pela comédia, mas pelo amor. O jovem desfigurado desperta a curiosidade e o riso na plateia e o desejo da voluptuosa e perigosa duquesa Josiane (Emmanuelle  Seigner). Ao descobrir sua real origem, desdobramentos trágicos ocorrem a ponto de evidenciar ainda mais sua miserável vida: a de um jovem destinado a ter o rosto marcado, a ser motivo de piada e riso e que só encontrou o amor verdadeiro nos braços de sua humilde família composta por Ursus e Déa. Em uma das cenas mais retóricas  do filme, em um discurso político no Parlamento, fica claro que a aristocracia Francesa é muito mais monstruosa que o rosto de Gwynplaine. A monarquia e a nobreza são o verdadeiro grotesco!






O encanto de O homem que ri é a beleza do amor entre Gwynplaine e Déa e o  protetor afeto do pai Ursus, juntamente com a composição do filme, que mistura o sublime e o grotesco, uma direção de arte mais pautada nos antigos circos itinerantes Franceses, que demonstram a pobreza do povo e o reflexo do rir da própria desgraça que advém da própria Arte Circense. Ao assistí-lo, é mais possível lembrar-se da cinematografia de Tim Burton com um pouco de Terry Gilliam do que do Expressionismo do antecessor longa de Paul Leni.  Os efeitos visuais do longa são leves e ressaltam mais o figurino e a dicotomia nobreza x pobreza. Diante da tela, a atmosfera de um sonho advindo de uma fábula literária é o que enche os olhos e emociona. Contemplar a pureza da jovem cega Déa que não enxerga a feiura de Gwynplaine e que o ama profundamente é um dos motivos que transforma esse filme em uma viagem afetiva em meio à tragédia de dois orfãos. Já não se vêem como irmãos, mas como homem e mulher a desabrochar o amor, um sentimento que supera o dramático meio no qual vivem,   tomado pela vergonhosa e massacrante ambição de uma monarquia e nobreza que deseja ver o povo a milhas de distância e como ratos de esgotos. Assim, como a clássica obra de Victor Hugo, o Corcunda de Notre Dame, que enfoca o amor do grotesco Quasímodo pela preciosa Esmeralda, aqui também há um romance inspirador entre a Bela e a Fera e que cria uma conexão emotiva mais íntima com a audiência.





Sob a perspectiva mais politizada, o roteiro deixa mais a desejar em função de que não explorou de maneira mais inteligente e profunda ações que poderiam ser mais proveitosas na relação de Gwynplaine com a política, por exemplo. Não precisava ser um tratado cinematográfico para não perder muito da magia, mas o dinamismo e conteúdo das cenas poderiam criar um outro olhar mais e mais metafórico a respeito da função política do "O homem que ri". O filme só se detêm a ridicularizá-lo, ainda que necessário, e colocá-lo como um ser desgraçado que até mesmo é usado pela duquesa. Devido à estas questões, o longa perde a oportunidade de ser mais marcante. Felizmente, os atores da trupe conquistam porque formam uma família pobre e trágica pela qual é impossível não sentir compaixão, além disso Emmanuelle Seigner faz uma participação pequena, mas ardilosa o suficiente para comprovar o mau caratismo da nobreza. Ainda que esta seja uma versão mais contemporânea, o simpático Marc- André Grondin poderia ser mais convincente  na função de uma aberração. Sua atuação é mais mediana  e o roteiro não lhe ofereceu mais possibilidades de ser exposto e desafiado. Gérard Depardieu tem como benefício a sua experiência, seu lado bem humorado, carismático e de gigante bonachão, características que facilitaram sua inserção no papel. Ainda que se exilado na Bélgica e fugido dos impostos do Leão Francês,  Gérard ainda é um ator ícone do Cinema Francês. O destaque vai para Christa Théret, uma das jovens estrelas emergentes da França, que mesmo em um papel coadjuvante, demonstra o lado mais onírico e puro de uma bela virgem que ama e deseja um homem desfigurado. O fato de ela ser cega, de ter sido criada como se Gwynplaine fosse seu irmão e de ele não se sentir digno de seu amor, torna esse traço romântico do filme muito mais contido, trágico e poético. Por causa deles, esse não é um filme para rir, mas para chorar.

Um comentário:

  1. O festival Varilux de cinema francês é semre um protagonista ansiado aqui no Madame Lumiére. Embora a seleção de 2013 aparente estar mais fraca, esse filme me parece - e o seu olhar reforça essa impressão - um dos destaques. Fica aqui o elogio para a crítica acurada, cheia de contexto e detalhe que tão bem pauta esse espaço.
    Bjs

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