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Por  Cristiane Costa ,  Editora e blogueira crítica de Cinema, e specialista em Comunicação Como tornar visível o que é tão p...

O Paraíso deve ser aqui (It must be heaven, 2019)






Por Cristiane Costa,  Editora e blogueira crítica de Cinema, especialista em Comunicação

Como tornar visível o que é tão próximo e diferente de nós? Como trazer ao olhar o que nos une e nos separa? Como mostrar o que está oculto, disfarçado ou banalizado no cotidiano ? Como observar o que nos pertence e o que nos permite se colocar no lugar do outro? O representante do Oscar 2020 da Palestina, O Paraíso deve ser aqui (It must be heaven, 2019), protagonizado e dirigido por Elia Suleiman, é uma viagem cômica de um homem que sai de sua terra Natal, a Palestina, para percorrer algumas grandes cidades em uma jornada sobre identidade, pertencimento e modernidade. É uma história que possibilita a reflexão sobre todas estas perguntas, e inegavelmente, uma declaração de amor do cineasta ao seu lar.


O diretor se afasta do seu país para, de uma forma bem humorada, excêntrica e leve, compreender e retornar ao lar. Esse percurso é uma experiência que todos nós deveríamos ter no dia a dia comum e em situações específicas como interagir com outros países, pessoas e culturas em viagens. Vivemos em um mundo global com muitas contradições e similaridades, assim, o filme tem uma virtude necessária:  É um exercício do olhar distante que se aproxima ainda mais da realidade. Na maioria das vezes, temos que nos desnudar de nossas crenças limitantes, julgamentos e preconceitos para enxergar o outro e a nós mesmos. Não importa se a experiência seja positiva ou frustrante, ela é vital para a sobrevivência e humanização.







Neste sentido, a representação de Elia Suleiman como ele mesmo nesse roteiro tem um aspecto chave: Ele é um diretor de um país que, por questões históricas e políticas, também é visto com descaso e preconceito, tanto sob a perspectiva humanista como também cultural. Quantas vezes vimos pessoas intolerantes a pessoas, história e tradições do Oriente Médio sem ao menos se dar ao trabalho de fazer uma crítica a si mesmo e à sua nação? Diversas vezes, com certeza! Com isso, nenhum país é perfeito, mas todo o país tem , na sua essência, a perfeição de ser o lar único e afetivo de alguém. Cada pessoa tem sua identidade, pertencimento, afetos e desafetos com seu lar, portanto, é natural que Elia Suleiman use o seu talento e criatividade tanto para observar no que o mundo se aproxima e se distancia da Palestina assim como valorizar o seu país.





No roteiro, o  diretor  viaja  a metrópoles como Nova York e Paris, centros de poder,  dinheiro, negócios, moda e tendências do mundo, para observar que nem sempre "a grama do vizinho é mais verdinha". Existe superficialidade, intolerância, violência em diferentes níveis de severidade, até mesmo em situações cômicas, como por exemplo, cidadãos que querem sentar em frente à uma fonte e não estão nem um pouco preocupados com o bem estar de um(a) idoso(a) que tenta um espaço no local. Também há outras cenas de crítica sócio-política como a postura da polícia e instrumentos ofensivos de poder, assim como a dinâmica do mundo do cinema quando um diretor Palestino busca investimentos ou quer apresentar a sua filmografia de autor (cena com a produtora americana e o ator Gael García Bernal).


A partir de um roteiro divertido e aparentemente no sense, porém crítico e significativo na reflexão contemporânea sobre esses temas, o cineasta apresenta um comédia peculiar  que mostra que não somos tão diferentes assim como seres humanos e que há algo que nos une, como indivíduos e coletivo, que é o nosso lar, nosso pertencer, e também nossos problemas em comum.  Quando aprendemos a enxergar o outro em sua identidade e realidades, também vemos os pontos de intersecção dos problemas sociais, políticos, econômicos, culturais etc que nos une. 



Seria esta a "Comédia humana" como aparece na foto acima?



O Paraíso deve ser aqui não é um filme fácil para qualquer audiência. Requer aceita-lo e interpretá-lo em sua natureza incomoda, pois é o estranhamento que conduz o espectador à análise desses recursos narrativos e o porquê são eficientes como discurso político.  Sua estrutura formal segue uma comédia mais física e contemplativa que falada, cuja construção da linguagem é seguida à risca, com autoria e excelência. Na interpretação do cineasta, há inspirações em Jacques Tati e Buster Keaton assim como o uso de metáforas para a representação de temas contemporâneos como  a imigração e o racismo.


O espectador pode aproveitar o longa como um exercício de linguagem cinematográfica sobre o mundo, seus valores e diferenças. Essa forma de narrativa é bem eficiente porque coloca o público em um lugar de silêncio contemplativo e reflexivo, mas não menos ativo e ensurdecedor. 


Uma faceta interessante e provocativa desse trabalho é perceber que Elia Suleiman, com perspicácia e humor,  aproxima a realidade de países ocidentes ricos como Estados Unidos e França, mostrando que eles não estão longe do que acontece em países do mundo árabe. Sob a perspectiva global, eles também são violentos e desumanizados assim como tantos outros países estrangeiros, então por que  o mundo árabe é duramente criticado e o mundo Ocidental ainda é o modelo ? Já sabemos mas vale refletir e ressignificar essa questão!  Outra faceta valiosa é observar que a Palestina tem problemas de forte tradição e de longa data, mas o diretor acredita na sua terra.  As cenas finais são o melhor do filme. Sublimes e encantadoras, elas evocam esperança, juventude, alegria e mudanças, unindo a tradição e a modernidade. 


São essas duas pontas que constroem um filme no qual o paraíso é onde nos sentimos bem e seguros. A Palestina não é inferior ao mundo Ocidental. Ela é um lar para muitos. Violência e desumanização estão em todos os lugares.



 






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