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"Não acha isso triste?" (Carey Mulligan) ( aviso: somente para quem assistiu ao filme) Já se sentiu sozinho...

Revisitando SHAME: O vazio da solidão e do sexo, a vergonha de todos nós




"Não acha isso triste?" (Carey Mulligan)

( aviso: somente para quem assistiu ao filme)




Já se sentiu sozinho(a) a ponto de querer que essa dor fosse curada somente pelo sexo desenfreado, sem qualquer compromisso, ainda que o coração queira carinho, amor e companheirismo? Ainda que a pele clame pelo toque prazeroso,  pode-se dizer que, na solidão das grandes cidades cheias de solitários, o sexo é como um remédio  que te faz bem nos primeiros momentos e, depois, causa terríveis efeitos colaterais. É claro que há pessoas que reagem melhor à essa liberdade ou, em algumas situações, a esse vício que lhes é tão característico; porém  convém dizer que nossa modernidade está impregnada de almas vazias e complicadas em estabelecer vínculos como vemos em Brandon (Michael Fassbender), do excelente Shame, dirigido por Steve McQueen. Não necessariamente é culpa delas porque a vida contemporânea, cada vez mais individualista, solitária, capitalista etc reforça que você pode estar morrendo por dentro, contato que o seu exterior evoque uma imagem de beleza  e sucesso, uma vida de hedonismo e de pseudofelicidade. Vivemos de pequenas grandes mentiras. O sexo vazio com  jeito de apoteótico é uma delas. Acredite: Não encontraremos nosso encaixe perfeito buscando o prazer sexual e descompromissado. A gente sabe disso, mas a solidão nos impulsiona a simplesmente buscar no outro a intimidade que tanto desejamos.




A decisão de revisitar Shame, realizando um recorte ligeiro sobre o vazio da solidão e  do sexo na película, é que  o gozo final que o personagem vivencia é a evidência de um orgasmo da vergonha, um completo vazio existencial de como  as relações são raramente afetivas e, na busca pelo prazer intenso, goza-se por gozar quando o desejo é chorar pela nossa própria vergonha de salvar-se do vazio com um outro estilo de vida igualmente vazio que não nos levará a uma relação completa, de amor, desejo e prazer, com uma pessoa querida. Nessa cena, fica claro como é doloroso viciar-se em encontros sexuais rápidos e, como a dor que isso traz, afastar-se mais ainda de como lidar com um relacionamento de verdade. Em algum momento, talvez você já tenha tido um gozo desse tipo. Goza-se e é bom, sem hipocrisias, mas qual o preço a pagar por isso?  Certamente é alto, a ponto de nos colocar em mais um estágio avançado do vazio da solidão e do sexo. Basta lembrar que Brandon, após transar loucamente com uma desconhecida, exibindo-se na janela de um prédio enquanto a penetrava por trás, fica sozinho até o anoitecer contemplando a vista através da mesma janela. Ela, uma Brandon de saias, não quis que ele nem a ajudasse a arrumar a alça do sutiã. É assim que funciona mesmo: Após sair da cama, mal olhar para a cara do(a) parceiro(a) e vestir-se rapidamente como se estivesse saindo de um provador de loja, a sensação que fica após lembrar da cena é : Isso pode ser  apagado da minha vida, principalmente se o sexo não foi tão bom e a pessoa menos ainda; e assim vamos vivendo de trepada em trepada, quando o que o coração deseja é a continuidade de um relacionamento.





Transar é ótimo, porém transar casualmente ou, como um vício como visto em Shame, o atemporalíssimo filme do brilhante McQueen, é uma prova viva e cinematográfica de que o Cinema é a própria materialização de nossa vazia condição humana. É sabido que sexo  pelo sexo não é só uma doença para os viciados, ele é um analgésico que acalma a carne carente por amor e por relações mais profundas. Se você reparar os momentos que transou da forma mais louca, descompromissada e intensa, vai reparar que foram aqueles movidos por uma celebração da 'carne':homens,  mulheres, festas, bebidas, música, sensualidade, flertes diversos, ou  no outro extremo, momentos que você estava sozinho(a) sentindo-se a última das criaturas, então decidiu vestir a máscara da sedução e extravasar a dor de sua existência, buscando o prazer no corpo do outro, sem ao menos saber de onde ele veio. No geral, um ponto interessante do filme é que Brandon é um viciado em sexo e, embora se esforce para um encontro mais afetivo com uma potencial mulher que pode se tornar uma namorada, ele está preso à situação de sexo a qualquer custo. Ele sabe que precisa de afeto, só não sabe como vencer essa barreira. Em uma Nova York de solitários que vivem na cidade que não dorme,  dormir pra que? Transar a qualquer hora é o limite. Nos minutos finais de Shame, em desespero, Brandon  não se coloca limites. Flerta com a namorada alheia, entra em um inferninho gay e se aventura em uma transa homossexual, participa de um ménage a trois, enfim, a dor é tremenda, é preciso uma overdose de sexo para esquecer uma vida mal amada.




O aspecto positivo de Shame, além de sua contemporaneidade, é que ele resgata que cada escolha por uma trepada só demonstra que o sexo casual e viciante faz lembrar o quão frágeis somos em nossa pobre existência e como buscamos mais um remedinho para curar nossas dores. O sexo não cura mas alivia a dor. Fazendo um breve paralelo:  O sexo é analgesia, a dor de cabeça vai passar, e depois, você descobre que tem uma enxaqueca e a cabeça começa a doer de novo pois aquele analgésico não vai te curar. Aquele momento de sexo selvagem é só carne, não precisamos pensar se a pessoa nos ama ou não, essa é a triste verdade. Amor pra que, mesmo que o desejamos ? Afinal, aquele (a) desconhecido(a) dificilmente entrará em nossas vidas e será apresentado para a nossa família. Se isso acontecer, você é um homem ou uma mulher de sorte, mas em boa parte dos casos, você nunca mais volta a encontrar a pessoa. Nesse contexto, o sexo faz um certo bem e um certo mal. Ele é muito mais um entretenimento com desfecho infeliz. Ele penetra as vísceras mais profundas e as ideias mais sacanas que temos, vem como uma diversão e passatempo, mas a grande ironia é que o sexo pelo sexo não preenche o afetivo que precisamos. Não ter esse afeto é um tipo de vergonha que tentamos esconder, leva-lo conosco é um fardo muito pesado.


Resenha de Shame, clique aqui.



4 comentários:

  1. Ainda não assisti a este filme, mas me chama muito a atenção o fato de que "Shame" suscita interpretações diferentes em cada crítica que leio. Isso deve ser um reflexo direto da riqueza da qualidade do longa.

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  2. Wow, MaDame! Excelente artigo sobre "Shame". Muito bacana e interessante sua revisita ao filme para dar esse recorte de solidão ao protagonista. Talvez seja por isso, ainda que adore a performance de Carey Mulligan, eu só queria Fassbender no filme, sabe? Saquei o esquema da irmã e tudo fica mais dramático com ela em cena, mas McQueen já tinha tudo na mão com o personagem de Brandon, não achava necessário a irmã problemática ali. Como disse, isso é longe de ser um defeito.

    Belíssimo texto!

    Abraço!

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  3. Definitivamente Shame não é um filme fácil de avaliar. Mas considero um dos filmes mais impressionantes que já assisti e merecia ser indicado ao Oscar, junto de Precisamos Falar Sobre Kevin.

    Visite também:
    www.peliculacriativa.blogspot.com.br

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  4. Excelente o texto, Madame. Você possui uma interpretação levemente distinta da minha - acho que Brandon é solitário justamente pelo vício. Ainda assim, adorei o seu texto. =)

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