Por Cristiane Costa, Editora e blogueira crítica de Cinema, especialista em Comunicação
Masterclass de abertura - "Educação, Cinema e o Reencantamento do Mundo"
📅 06/10 – 5º Seminário Cinema e Educação
Com a professora e pesquisadora Rosália Duarte (UFMT), a atividade inaugura o evento trazendo uma reflexão sobre o papel do audiovisual na transformação dos olhares, narrativas e relações da escola com o território, o meio ambiente e a comunidade.
A tese central da Masterclass exigiu um alicerce filosófico robusto. Rosália Duarte, com a lucidez que lhe é própria, invocou dois gigantes visionários: John Dewey e Walter Benjamin. A partir deles, traçou a distinção que funda o olhar pedagógico: Vivência e Experiência. Se a vivência é o ato de estar vivo e testemunhar o mundo, imediata, prática, quase instintiva, a experiência é o que se elabora depois: o pensamento que transforma o vivido em narrativa, em aprendizado, em capital simbólico. É nesse intervalo entre o ver e o significar que o Cinema se insere como ferramenta pedagógica: não apenas para registrar a vida, mas para mediar a reflexão que dá sentido ao mundo.
Afeto como Travessia
A ponte entre teoria e tela se chama Afeto. Rosália nos convoca à urgência de ser afetado, resgatando o affectum de Spinoza e Deleuze, essa capacidade radical de se entregar à experiência e ser transformado por ela. O educador Jorge Larrosa aprofunda essa resistência, propondo que a escola e o cinema sejam espaços de pausa, escuta e encontro. Essa pausa é uma afronta ao feed caótico das redes, à burocracia que anestesia o olhar. O automatismo, essa repetição vazia, nos rouba a fruição e a liberdade de sentir. O Cinema, então, torna-se uma máquina de guerra contra o autômato, exigindo que o aluno abandone o scroll e se entregue ao tempo da tela, para que a vivência amadureça em experiência.
A experiência estética como arma contra a anestesia
Para combater o automatismo, é preciso uma arma à altura: a Experiência Estética. Rosália nos leva à etimologia grega Aesthesis (sensibilidade) e à imagem poética do tear: “a estesia é um desses fios que compõem essa peça”. Essa sensibilidade, oposta à anestesia, complementa o pensamento de Larrosa. Como educadora e curadora, MaDame Lumière observa com inquietação a realidade de crianças e jovens aprisionados a telas e conteúdos que pouco agregam à formação. Essa carência exige que a estrutura estética seja ensinada nas escolas. A experiência estética é essencial porque educa o olhar, expande o sentir e refina o pensar. Somente ao cultivar essa estesia, o Cinema pode cumprir seu papel mais elevado: educar e reencantar o mundo.
O Cinema como arte caprichosa e espelho da existência
A beleza da Masterclass reside em seu ponto de partida: a não-coisificação do Cinema. Rosália não fala da arte como produto, mas como processo de autoconhecimento. Define o Cinema como uma arte caprichosa que nos força a olhar para as entranhas da existência. Essa lente de aumento não permite terceirizar a culpa: o Cinema revela o lado sombra e o lado persona da nossa psique. A verdade é cortante: o problema que enxergamos no outro é, muitas vezes, o reflexo do que evitamos em nós. Rosália nos lembra: “somos intrinsecamente diversos”. O Cinema exige Alteridade, a capacidade de acolher o outro em sua plenitude. Significa ocupar o lugar do outro, ver por seus olhos, e não pelas nossas próprias convicções. Ao ampliar a cinematografia, percebemos que a dor ou o amor de alguém num filme africano também pode ser o nosso, fazendo com que a gente experiencie aquela emoção como uma experiência individual transformadora que abraça o coletivo.
Curadoria como ato de resistência
A chave para esse exercício de alteridade reside no repertório cinematográfico. Rosália Duarte enfatiza que não basta estudar cinema; é preciso gerar um repertório diversificado que possibilite o diálogo com o mundo. O cinema, afinal, é a ferramenta que nos ensina como o outro nos retrata, capacitando-nos a, então, construir a nossa própria autoimagem. A sabedoria da curadoria, ela reforça, não está em desqualificar o gosto do outro, o blockbuster que lota o cinema do shopping tem seu valor na vivência, mas sim em oferecer a oportunidade de ampliar o olhar. O papel do educador, e da MaDame Lumière, é o de um curador que mostra as vastas possibilidades da cinematografia mundial, sem nunca invadir a individualidade ou forçar gostos. É a liberdade de escolha que permite que o cinema cumpra sua missão pedagógica.
A urgência que emerge da Masterclass é a de ampliar as oportunidades para a formação do olhar e da experiência por meio do cinema. Isso exige ir além da simples exibição da “peça”; o foco deve ser o que Rosália chama de reencantamento do mundo com resistência e liberdade. É nesse ponto que reside o poder da curadoria. Não basta ligar o projetor; é preciso direcionar o que pode ser mostrado e a quem, transformando a sessão em um ato de mediação sensível. A escola e o educador, munidos dessa consciência, tornam-se arquitetos do reencantamento, criadores de espaços que replicam a inspiração e a profundidade da professora Rosália Duarte.
Reencantar o olhar: O Cinema como Pedagogia da Existência
O resgate da experiência estética nos conduz à mais profunda das viagens: a jornada para dentro. Rosália costura sua Masterclass com o fio da sabedoria ao citar Rosa Maria Fischer, defensora da Estética da Existência. Afinal, não se trata apenas de conhecer o mundo, mas de, através dele, conhecer a si mesmo. Como entusiasta e crítica, MaDame Lumière sempre defendeu que aprendemos sensibilidade na sala escura. O Cinema é essa arte e essa estética que abrem espaço para o nosso ser mais vulnerável e humano. Ele nos dá as coordenadas para decifrar a nós mesmos e, por consequência, aos outros. Onde nada sabemos, mas tudo sentimos o Cinema se torna a pedagogia da ética e da estética, impulsionando a formação humana em sua essência.
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Cristiane Costa, MaDame Lumière