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Por Cristiane Costa, Editora e blogueira crítica de Cinema, especialista em Comunicação
A Natureza do Amor: A Tirania do Intelecto e a Paixão como Troféu Social
Sophia (Magalie Lépine-Blondeau), professora da elite intelectual de Quebec, vive um relacionamento marcado pelo tédio até que um encontro inesperado desperta nela uma paixão autêntica. Premiado com o César de Melhor Filme Internacional em 2024, A Natureza do Amor confirma a força de Monia Chokri ao expor que mesmo a elite com seu intelecto, cujas conversas em mesas com amigos são recheadas de uma intelectualidade vazia, não é feliz e nem sequer sente prazer. A diretora utiliza closes e uma mise-en-scène perspicaz para expor as neuroses desse círculo social.
Ao expor o conflito de classes atravessado pelo desejo, o filme satiriza a elite intelectual que detém muito conhecimento e arrogância, mas demonstra pouco afeto ou prazer, vivendo engessada por costumes socialmente aceitos. Nesse contexto, a intelectualidade de Sophia serve como uma armadura frágil que a protege da própria infelicidade e da hipocrisia de seu círculo, facilmente rachada pela paixão autêntica de Sylvain. A professora experiencia um prazer que a confronta, ao se aproximar de um homem trabalhador e sem o mesmo repertório intelectual. Os dilemas povoam a mente de Sophia, dividida entre a intensidade do desejo e a dureza da realidade. A sátira é funcional justamente por sua ironia: como inserir um homem humilde em uma elite que, mesmo com seus discursos pseudo-sociais, não convive com a classe trabalhadora na intimidade? Sophia se diverte e dá vazão a um desejo considerado intenso e “sujo”, mas a grande questão é se estará preparada para exibi-lo em seus círculos sociais como um relacionamento sério.
Essa ruptura estética se traduz também nos espaços narrativos, que afastam Sophia da elite e a aproximam da natureza. Uma ida ao bar, ao bosque ou uma conversa despretensiosa no carro: esses momentos cotidianos quebram o formalismo que a aprisionava. Sylvain é, ao mesmo tempo, romântico e desbocado, e sua autenticidade rude estabelece uma química imediata com Sophia. Essa autenticidade a liberta. O filme despersonaliza o desejo de qualquer romantismo fácil ao ancorá-lo na simplicidade e na espontaneidade da natureza de Quebec, expondo a culpa e o prazer de Sophia por se render a algo que não pode ser intelectualizado.
Mas essa liberdade inicial logo se confronta com a barreira das classes sociais. A atuação de Pierre-Yves Cardinal (Sylvain) é excepcional na forma como traduz essa tensão: seu personagem demonstra uma paixão avassaladora, carnal e intensamente dominado pelo desejo por Sophia, mas tem dificuldades em expressar emoções mais complexas. Esse contraste dramático é a chave para o dilema: ao tentar intelectualizar o amor, muito se perde. O filme expõe que a dificuldade na comunicação não é apenas da elite, que não sabe como dialogar com o amante bruto; ele também terá dificuldades de se estabelecer naquele universo intelectual e raso que o cerca, e as situações sociais desconfortáveis reforçam a percepção limitante de que ele só é bom de cama e trabalhador. A linguagem, que deveria ser a ferramenta de Sophia, torna-se a trincheira final onde a paixão do corpo não consegue sobreviver à rigidez da mente.
A Natureza do Amor é um filme incrivelmente ácido e realista, cuja força reside em sua franqueza implacável. A obra nos força a perguntar: namoraríamos uma pessoa verdadeiramente diferente de nós? O desejo, afinal, não sustenta uma relação; é preciso cumplicidade, reciprocidade e companheirismo, algo raro nos dias atuais. A grande revelação do filme é que, para a elite, ter um parceiro intelectual ou de maior prestígio é frequentemente um troféu social. O amor deveria ser simples, autêntico e feliz, mas aqui ele se torna um filme sobre a falência dos relacionamentos intelectuais e sobre a hipocrisia da elite diante de quem é diferente. O legado de Monia Chokri é expor que o intelecto, por si só, jamais garantirá a felicidade amorosa.
Imagens. Divulgação Imovision.







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