Marco Bellocchio aprecia a realização de um Cinema que aborda esferas políticas. Seu background pessoal tem militância comunista e ele é um partidário inclinado a alianças socialistas e libertárias. Em um país como a Itália, extremamente religioso e com o Vaticano como forte influência, o cineasta não deixa de abordar assuntos políticos que adentram esferas privadas. O seu mais recente filme, A Bela que dorme, indicado ao Leão do Festival de Veneza, trata de um assunto polêmico: a eutanásia, um tema muito mais controverso em um país que é Católico e no qual se questiona sobre o direito à morte. Inspirado na história verídica de Eluana Englaro, uma jovem que sofreu um acidente de carro e ficou 17 anos em permanente estado vegetativo. Seu pai lutou por diversas vezes com as autoridades Italianas para deixá-la morrer naturalmente, tirando-lhe o aparelho. Além do mais, o caso Englaro movimentou a nação, com posicionamentos da igreja Católica de que ela não era um vegetal e as "pérolas" do Primeiro Ministro Silvio Berlusconi de que ela "aparentava estar bem e bonita" e que "ainda poderia fazer nascer uma criança". A jovem acabou falecendo antes mesmo que uma lei sobre o tema fosse aprovada.
Para criar alguns pontos de vista sobre a eutanásia, o diretor que também assina o roteiro com Veronica Raimo e Stefano Rulli, cria personagens fictícios que estão relacionados ao direito à vida ou à morte sob diferentes ângulos. Com o histórico de uma esposa que dolorosamente sofreu antes de morrer e um segredo que ronda sua consciência, Uliano Beffardi (Toni Sevillo) é político, favorável pelo direito à morte e tem um relacionamento conturbado com a filha María (Alba Rochwacher), mais religiosa e problemática. Divina Madre, interpretada pela impactante presença da talentosa Isabelle Huppert, tem uma filha em estado vegetativo, que se alimenta por um tubo. Sendo uma mulher endinheirada e com um estranho ego candidato à Santo, ela insiste em que a filha viverá pela mão de Deus e tem conflitos com o outro filho. No outro núcleo, temos Rossa (Maya Sansa), uma bela mulher depressiva, psiquicamente problemática, adepta a cleptomania, a automutilação e propensa ao suicidio. Para ela a vida não tem qualquer valor. Ao conhecer o médico Pallido (Pier Giorgio Bellocchio, filho do cineasta), disposto a mantê-la sobre controle e obcecado por ela, Rossa tem uma chance de valorizar sua vida.
Mais uma vez, Bellocchio nos pincela variadas dimensões da Itália, da política ao fanatismo religioso, passando pelo seu carater liberal e humanista. Ele somente pincela como colocar um mosaico à vista. Em todos os núcleos, os personagens lidam com o amor, a vida e a morte. Uliano está em um conflito a respeito de aprovação de uma liminar para seu partido enquanto pensa na filha. María se apaixona e começa a ver a vida com um outro olhar. Pallido, um médico que pela natureza de seu trabalho defende a vida, dessa vez, se encanta com uma paciente de atitudes autodestrutivas. Divina Madre parece se render e tirar sua casca à medida que se confronta com a realidade de que há uma vida além de só estar ao lado da filha e de Deus. Todos os personagens tem sentimentos diferentes e nisso está ainda o melhor do filme: a possibilidade do expectador observar e imaginar o que sentiria ou decidiria sobre a eutanásia; porém só isso não é suficiente. A Bella que Dorme abre espaço para a percepção de que faltou algo na orquestração de Bellocchio. Até mesmo personagens como o da magnífica Huppert, que ainda é um grande destaque, poderiam ter crescido com a narrativa e ingressando em lacunas bem polarizantes, de maior efeito dramático. Ele não quis desgastar o caso Englaro e tocar na ferida do país, muito menos, na de Berlusconi e do Vaticano.
O cineasta não se detém a polemizar exacerbamente o tema e está aí um dos problemas do longa: Bellocchio só expõe a problemática e realiza um roteiro para que a narrativa ficcional seja compreendida no final. Ele não trabalha os conflitos de forma muito articulada e a impressão que dá é que foi convencional e evitou tomar algum partido. Apesar disso, o longa ainda possibilita o exercício do olhar, no mínimo, alusivo, para a reflexão de que a Eutanásia é uma escolha muito pessoal. Embora Bellocchio não torne o longa muito político, um dos seus acertos é manter-se fiel a si mesmo. Ele desenvolve a sua tão excelente estética que mescla o verídico com o ficcional, usando como registro imagens históricas e midiáticas e uma edição recortada por contextos sócio-políticos Italianos. Nesse aspecto, o diretor exerce o seu habilidoso talento com um estilo muito pessoal e sabe trabalhar com a imagem, como já visto em ótimos trabalhos como Vincere, um dos seus melhores filmes.
Esse filme foi um dos que foi recomendado pela imprensa paulista por ocasião da Mostra de Cinema realizada recentemente. A trama me parece ser muito interessante. Quero conferir esse filme.
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