Cineasta François Ozon retrata a terceira idade sem romantização
Lançamento nos Cinemas em 27 de março pela Pandora Filmes
Por Cristiane Costa, Editora e blogueira crítica de Cinema, especialista em Comunicação
Se há algo que o realizador Francês François Ozon não abre mão em seus filmes é a tensão entre o exposto e o não dito. Adepto de narrativas que combinam o drama e a sexualidade, o diretor traz a dinâmica da provocação em seus trabalhos que exploram a paixão, o erotismo, a família, a religião e outros temam que tocam no conflituoso contraste entre o desejo e a repressão.
“A sociedade tende a idealizar os idosos, esquecendo que eles também têm um passado complexo, uma sexualidade, um inconsciente” (François Ozon)
Em Quando chega o Outono (Quand vient l' automme), ele e Philippe Piazzo assinam o roteiro com foco na amizade entre duas mulheres idosas, Michelle (Hélène Vincent) e Marie-Claude (Josiane Balasko), vizinhas em um vilarejo da Borgonha. A primeira tem uma turbulenta relação com sua filha Valérie (Ludivine Sagnier) e deseja passar o verão com o neto Lucas (Garlan Erlos). A segunda tem problemas de saúde e vive assombrada pela culpa com um filho recém saído da prisão, Vincent (Pierre Lottin). Com esse experiente elenco, Ozon constrói um enigmático suspense que oferece o benefício da dúvida ao espectador: Essas senhoras são realmente boazinhas?
Atriz Ludivine Sagnier, que protagonizou seu longa de sucesso “Swimming Pool: À Beira da Piscina”. “Foi emocionante reencontrá-la e filmá-la nesse papel”, comenta Ozon
De forma intencional, Ozon quis explorar uma narrativa que coloca as pessoas idosas como indivíduos que têm desejos e mistérios e podem desejar e fazer o mal, inclusive podem falhar e não terem tanta consciência de suas faltas. Nesse contexto, o enfoque principal foi dado à Michelle, tendo em vista que é uma personagem mais misteriosa. Ela foi uma meretriz que já vem carregando essa história pessoal, naturalmente julgada pela sociedade ao chegar à terceira idade em um lugar bucólico. Além do mais, sua filha Valérie, de personalidade intragável, tem emoções negativas com relação à sua mãe e nitidamente fica pouco confortável em deixar o neto com Michelle. Um episódio de suposto envenenamento durante um almoço abre uma janela de rancores e desabafos nesse tenso centro familiar.
O filme venceu o melhor prêmio do júri em roteiro - Festival San Sebastián (2024)
A chegada de Vincent ao vilarejo aproxima Michelle à sua natureza materna e alegre. É um comportamento difuso sobre o qual são notáveis o desejo e a vitalidade que ela sente ao lado de um jovem homem, além disso, a narrativa dá a entender que o passado de Michelle influenciou traumaticamente tanto Valérie como Vincent, o que abre mais janelas para interpretações livres por parte da audiência. Ele passa a ajudá-la nos cuidados com a casa, a dançar com ela em um dia divertido e ser um homem de confiança, evidências que levam a crer que, ou ele tem algum interesse oculto ou realmente gosta da amizade e companhia de Michelle.
O que está exposto é a misteriosa Michelle imersa em contradições na forma como se coloca no mundo. A passagem do tempo deixa um rastro de mistério na história em várias direções. Ao mesmo tempo, uma avó atenciosa e amável, mas também uma mãe que não chegará a um ponto de equilíbrio com a filha. Sua relação com Vincent agrega uma tensão se eles têm ou tiveram algum envolvimento sexual no passado. Para todas essas possibilidades, Ozon deixa o filme como uma página em aberto para o público completar e, principalmente, para contemplar que a velhice não é um altar sagrado, pelo contrário, envelhecer traz outras camadas desafiadoras ao ser humano, como lidar com o próprio desejo, amor, solidão e morte.
O Cinema contemporâneo de Ozon traz prós e contras quando percebemos um roteiro dessa natureza. Entre os principais prós estão: o Cinema à serviço do próprio Cinema, com uma ficção que diz muito sobre as realidades que são silenciadas pelos preconceitos sociais e nas quais encontramos traumas complexos; no mais o Cinema abrindo diversas abas para que o público realize suas próprias reflexões e entendimentos. Essa liberdade do Cinema de Ozon coopera para a liberação das emoções reprimidas.
Por outro lado, os principais contras estão muito conectados com os prós, como por exemplo: um Cinema que colocará o público em um lugar de incógnitas ao não ter respostas claras e ter que conviver com as sugestões e dúvidas. Como consequência, muitos podem interpretar essa narrativa como desfocada e sem objetividade do que se pretendia contar. Além disso, em comparação a outros filmes mais polêmicos do cineasta, esse filme é menos didático e mais sugestivo. Assim, Ozon teria uma boa história ou apenas rodou mais um longa metragem para se manter ativo?
É importante reforçar que, embora não seja o longa mais atraente na filmografia de controvérsias de Ozon, cabe valorizá-lo pela identidade com seu realizador, pelo roteiro fora do lugar comum e as atuações de qualidade. Após seu final, é o tipo de narrativa que faz o público pensar sobre Michelle, sobre as intenções de Vincent ao permanecer a seu lado e sobre os traumas de Valérie. O não dito é o que permanece na imaginação: Quem era a senhora Michelle? Quais foram suas ações nobres? Quais foram seus erros e punições? Nesse sentido, Ozon alcançou o propósito: "Optei por deixar elementos fora de cena, sugerir mais do que mostrar, permitindo que o público interpretasse por si só".
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